No ARION

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No oceano, em 2001, viajando entre a Terceira e S.Vicente (Cabo Verde)

terça-feira, 24 de maio de 2011

DESCONTROLE & MOTIVAÇÃO NA CLASSE MÉDICA

DESCONTROLE & MOTIVAÇÃO NA CLASSE MÉDICA


HELIODORO TARCÍSIO


Esta manhã tive um súbito acesso de solidariedade. Não tenho nada de santo e se vivesse em Calcutá, como Madre Teresa viveu, provavelmente fazia a minha vidinha, trabalhava, jantava fora, namorava uma atriz de Bollywood, jogava um críquete e não ligava nenhuma aos deserdados da sorte. Mas, de vez em quando, sinto genuína pena dos que sofrem, como no caso do recente tsunami no Japão. Esta manhã calhou-me sentir pena dos médicos, coitadinhos, que têm sido vítimas de feroz perseguição, pela parte da tutela, chegando a ser tratados como cães.
O Dr. Adriano Paím, diretor do Serviço de Cirurgia do Hospital de Angra do Heroísmo, defende publicamente que os médicos controlados podem desmotivar-se. Naturalmente, pelas regras da boa Lógica, posso daqui inferir a preposição contrária, que os médicos precisam de estar descontrolados para se motivar.
Arrepiou-me sobremaneira saber que um médico desmotivado pode não atender o telefone ás 3 da madrugada. Entendo perfeitamente, eu também prefiro estar a dormir ou a fazer amor com a minha amada a essa hora. Mas, na minha simplicidade de raciocínio, quer-me parecer que, se um médico não atende o telefone ou telemóvel às 3 da manhã (ou os desliga, o que dá no mesmo na prática), está, de alguma forma, a trair o seu juramento de Hipócrates. Não sabemos se Hipócrates era de confiança nem se o seu juramento não foi apenas uma peça de concurso a uns Jogos Florais ou algo do género, uma coisa bonita de se dizer mas meia vaga, generalista e pouco sincera… E eu sou um leigo na matéria mas, arriscaria a dizer que vai ser pouco saudável para um acidentado, para um tipo que teve um AVC ou para um hospitalizado que piorou repentinamente, que o médico de que ele urgentemente precisa, esteja em casa, desmotivadíssimo, a dormir profundamente na sua caminha e não atenda o telefone…Há aqui qualquer coisa que não joga…
Há pessoas que abraçam a carreira da Medicina por genuína e intrínseca motivação. Não me parece que deva ser por qualquer outra razão. É por isso que defendo que a habilitação para o acesso aos estudos médicos não deve assentar apenas nas notas da escola. Essa cretinice, com explicações bastante maliciosas, faz com que estejamos sempre à míngua de médicos e tenhamos que importá-los da Espanha e da Colômbia, onde não são recrutados, necessariamente, entre os marrões da escola. Encontramos frequentemente maus médicos em Portugal e todos tiveram altas notas. Infelizmente, há muita gente que escolhe Medicina pelos proventos materiais e pelo status social. E, como se acham uma classe à parte, intocável até bem recentemente, num Portugal pacóvio, corrupto e atávico, esperneiam e vociferam, quando se começa a colocar em causa aquilo que eles consideram justíssimos privilégios de classe. Como não serem sujeitos a qualquer controle, por exemplo. Aparentemente, isso fá-los sentir motivados, o que não deixa de ser curioso. E eu a julgar que a desmotivação do trabalhador português tinha sobretudo a ver com os baixíssimos salários e o fraco poder de compra…Sabendo que o controle biométrico é uma realidade do mundo do trabalho e está presente atualmente por todo o lado, nas empresas, nos serviços públicos, agora entendo porque os trabalhadores andam tão desmotivados. Pensar que o patrão, o chefe, a tutela, vão saber, todos os dias, exatamente quando chegámos ao trabalho ou o largámos, é realmente de desmotivar qualquer um…Com efeito, antes era bem melhor. Chega-se quando se chegar, parte-se quando se partir. Tem alguém à espera ? Pois que espere sentado e confortável, para isso é que existem cadeiras e ar condicionado. Ai que saudades dos velhos tempos…”O Sr. Doutor já chegou? Não, ainda não chegou… Mas já são 16h e a minha consulta era às 14h…Tenho coisas a fazer, o Sr. Doutor não poderia cumprir o horário? Não senhor, não pode, senão fica desmotivado, cumprir horários é para operários fabris e pilotos de linha aérea. Ah tá bom, obrigado, entendi, só mais uma coisinha, não tem nenhuma revista deste ano?”.
Na minha opinião, só se pode ser médico (a propósito, não estará na altura de mudar esse designação para “técnico de saúde”…?) por sincera vocação, desde que se garanta que pessoas sem o perfil indispensável não chegam lá, mesmo que tenham altas notas. É preciso muito mais que ser inteligente e bom aluno. Um médico tem de ser devotado à sua profissão, aceitar de boa fé as suas condicionantes e caraterísticas únicas. Tem de ser compassivo, solidário, empático e, sobretudo, muito disponível. Tem de ser emocionalmente muito forte e estruturado, para poder lidar da melhor maneira possível com o sofrimento das pessoas e com a dura realidade da morte. Se um médico se sente desmotivado, colocando assim em risco a vida e saúde dos seus pacientes, porque o sistema que lhe paga quer saber a que horas ele entra (e sai, já agora), então se calhar devia pensar seriamente em mudar de profissão. Não digo ir para operário mas, quem sabe, talvez para gestor de uma fábrica de pregos. Ser piloto de aviação civil também dá muito dinheiro e status. A farda é bonita e chama a atenção. Mas a TAP precisa de saber a que horas chegam os pilotos e por onde andam os aviões. É chato mas tem de ser.
Diz ainda o Dr. Adriano Paím que tem um serviço motivado e controlado por ele próprio. Dou-lhe os meus sinceros parabéns. Mas será defensável que a gestão de horários e a assiduidade dos trabalhadores sejam controladas por uma pessoa ? O Dr. Adriano Paím pode até ser um gestor muito eficaz mas não é eterno. E se lhe aparece a prima Alzheimer aos 63 anos ? E pode garantir que o seu sucessor tenha a mesma eficácia, rigor e capacidade de motivação? É claro que não.
Com estas declarações, o Dr. Adriano Paím, independentemente da sua competência técnica, que desconheço, não vêm ao caso e, de qualquer forma, não poderia avaliar, vem mostrar, com evidência, o que NÃO deve ser um médico dos nossos dias. Nesse sentido, as suas declarações são muito úteis. Muito obrigado. Felizmente, não são todos assim. Recentemente, um conhecido médico de Angra (muito obrigado por aquela simpática boleia na Graciosa, há muitos anos), abordou-me na rua da Sé para me cumprimentar pelo meu artigo “Sr. Doutor Bobi?” e para me dizer que concordava inteiramente comigo. O que me tranquiliza minimamente é que também há médicos destes. POPEYE9700@YAHOO.COM

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