No ARION

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No oceano, em 2001, viajando entre a Terceira e S.Vicente (Cabo Verde)

terça-feira, 24 de maio de 2011

NADA É PARA SEMPRE

NADA É PARA SEMPRE


Heliodoro Tarcísio



Recentemente, na edição do DI de 18 de Fevereiro, um prezado articulista escreveu sobre temas que me são caros, amor, casamento e divórcio. Para estar à mesma altura, ponderei seriamente identificar-me no final deste artigo como formador de Náutica e Navegação. Não tem nada a ver ? E “professor de Língua Portuguesa” tem ? Ainda se fosse jurista, político profissional, padre, pastor ou psicanalista… Ah, já sei, deve ser porque, na sua qualidade de professor julga lidar amiúde com as consequências das pobres famílias destroçadas pelos malefícios do divórcio, esse tenebroso inimigo da sociedade, só comparável ao vício da droga, à criminalidade, ao relativismo e claro, ao casamento homossexual.
Seja como for, o artigo em questão era até uma peça de joalharia, não exatamente uma jóia preciosa mas também não tinha nada de quinquilharia. Romântico, enternecedor, com um toque literário até, poderia ter-me humedecido os olhos se não veiculasse perspetivas com as quais estou em completo desacordo.
Já antes me referi a este assunto nas páginas deste jornal. Mas como as pessoas se casam e, felizmente, se divorciam, todos os dias, este é um tema sempre atual. Que o caríssimo articulista principia por tratar com jurídica seriedade, apontando um aparente paradoxo legal: não é possível, atualmente, perante a lei, casar para sempre. E eu acrescento, ufa, ainda bem! Minha rica lei, que em tantas ocasiões nos castigas e nos vergas a espinha, por vezes também tens uns rasgos de inteligência, compaixão e humanidade. Nem toda a legislação há-de ser sobre mais impostos e taxas, menos regalias e apoios sociais e cortes nos ordenados. De vez em quando, algum legislador desalinhado há-de se preocupar com a felicidade das pessoas.
Bom, por muito riquinho que seja, o texto publicado só aparentemente é inteligente. À questão colocada, sobre a forma de efabulação, relacionada com a possibilidade de escolher entre duas formas de casamento, a atual, que pressupõe um fácil divórcio e uma outra, que só não é fantasiosa porque é quase decalcada de um triste passado recente e implica um compromisso inquebrantável para toda a vida, respondo sem hesitação: eu próprio escolheria a segunda hipótese. Pois quem é que não casa cheio de boa vontade e de ilusões, de peito aberto e sem medo ? O pior é o que vem depois. É que, para saber bem o que é casar , é preciso dar esse passo e ficar por lá uns tempos. “O amor é louco”, escreve o autor. Talvez seja por isso, que tantos protagonistas de casamentos infelizes saíam dos consultórios dos psiquiatras encharcados em tranquilizantes e anti-depressivos, quando não iam mesmo parar a um hospício… Não é que agora isto não aconteça. Não há nada como um mau casamento para avariar os fusíveis de uma pessoa. É pior ainda que a humidade. Só que antes, a solução óbvia, o divórcio, era um bico de obra. E agora, é fácil e barato. Que não, clamam alguns, nunca devia ter deixado de ser difícil e demorado. Idealmente, devia ser mesmo impossível. Só morrendo.
Fico cansado de tentar explicar as coisas a esta gente. O mal não está no divórcio. Este é , sobretudo, uma solução. Normalmente, é a única que realmente funciona. Quem condena o divórcio, ignora por completo, o quanto é preciso ser inteligente, emocionalmente maduro, compreensivo, tolerante e compassivo, para reconhecer e aceitar, pacificamente, os sinais do fim. O quanto é preciso amar a outra pessoa para ser capaz do supremo gesto de amor: vai à tua vida e sê feliz com alguém diferente de mim. Nada é para sempre na vida. Nem sequer o Sol. Porque deveria sê-lo o casamento ?
Ser contra o divórcio é também fazer de conta que não se sabe que a maior parte dos divorciados constitui outras famílias que, muitas vezes, se relacionam com a primeira, devido aos filhos, gerando uma enorme e feliz teia de relações sociais. Porque é que essas novas famílias não hão-de ser felizes e hão-de ser piores que as outras ? O divórcio é a causa de problemas sociais graves ? Perdoem-me mas isso é mentira. As causas dos problemas sociais e familiares são bem mais complexas do que isso. O divórcio é uma simples consequência. Acredito que se relacionem sobretudo com a loucura da Humanidade, do mundo que construímos, sem referências éticas, materialista, egoísta, poluente, corrupto, assente na trilogia do dinheiro, do poder e do sexo. Mas, como é bem mais fácil arranjar um bode expiatório…salta o desgraçado do divórcio.
Como antigo professor (que, no fundo, nunca deixamos de ser), discordo em absoluto que um professor “(…) espera, mais tarde ou mais cedo, problemas num aluno cujos pais se divorciaram”. Que afirmação mais infeliz e redutora. Ainda se tivesse escrito que é de esperar problemas em alunos cujos pais já não se amam…
Não me posso alongar muito mais, estou bem avisado pelo DI quanto ao tamanho dos meus artigos. Mas, nesta tribuna, não posso deixar de oferecer o meu testemunho pessoal nesta matéria. Duplamente divorciado, casado pela terceira vez, tenho três filhos e um quarto a caminho. Se eu fosse sueco, já tinha a vida feita. Com sou português, à medida que vou gerando filhos, vão-me diminuindo o ordenado. Quanto aos meus filhos, a crer no nosso articulista, eles deviam andar cheios de “problemas”. Pois bem, foram sempre crianças estáveis e felizes, absolutamente normais, tirando as normais crises de adolescência. Nunca consumiram drogas (não me refiro à droga oficial do regime – o álcool), a mais velha já se licenciou e o outro a seguir está no 1.º ano da faculdade. Estão ótimos. Quanto á terceira, filha de outra mãe, é uma doce menina de 12 anos e espalha encanto e felicidade por onde passa. São filhos de pais divorciados. Mas talvez porque aconteceram divórcios muito cedo, eles não assistiram à degradação das relações familiares, não participaram de cenas de agressão, física e psicológica, violência, ódio e desamor. Entre nós, imperou sempre o respeito e nunca deixou de haver convivência regular e amor de pais e filhos. Por isso, eles nunca tiveram “problemas”. Cresceram felizes. Não são frutos apodrecidos. Apesar das vicissitudes da vida, a gente ama-se e vamos continuar assim. Como se vê, até radica tudo no amor, o único poder que deveria reger o mundo. Mas é o amor verdadeiro, espontâneo, generoso, benévolo e saudável, não é o amor obrigatório, imposto pelas leis , sujeito à sanção familiar e exposto à vigilância atenta das vizinhas da nossa rua. Não é, enfim, o amor contra natura.
Uma última observação: o aço, mesmo inoxidável, está a ficar fora de moda, como símbolo de resistência. Temos de nos manter atualizados. Aconselho a fibra de carbono. POPEYE9700@YAHOO.COM

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