No ARION

No ARION
No oceano, em 2001, viajando entre a Terceira e S.Vicente (Cabo Verde)

terça-feira, 19 de outubro de 2010

O PRÍNCIPE PINÓQUIO


O PRÍNCIPE PINÓQUIO



HELIODORO TARCÍSIO


PEC 3: austeridade, redução dos salários, subida de impostos diretos e indiretos, aumento de todas as cores em tudo o que é ruim para a vida das pessoas.
Corrijam-me se estiver errado mas a principal razão para termos aderido à CE, em 1986, não era a aproximação gradual aos padrões de vida europeus ? Definam-me “gradual” com urgência, por favor. É que estou gradualmente ficando mais velho e agora surgiu-me uma secreta esperança de parecer jovem por muito mais tempo, quiçá eternamente.
Baixar salários? Não tínhamos já baixíssimos salários, que há muitos anos praticamente não eram aumentados, de facto? Aumentar os impostos? Mas não tínhamos já uma elevadíssima carga fiscal? Resolver o problema do deficit das contas públicas? Mas a estratégia para atingir esse fim não era, precisamente, o desenvolvimento da economia portuguesa? E não é certo que as anunciadas medidas de austeridade vão, mais do que estagnar, causar a retracção da nossa pobre economia? Do que nos serve ter um país com as contas em dia mas sem a mínima possibilidade de se desenvolver e em permanente retracção?
Claro que, se olharmos para o país como uma imensa mercearia, com um rol de deve e haver, é tudo muito compreensível. A coluna do deve é muito superior à do haver. O merceeiro é um mau merceeiro. Não convém fechar a mercearia, não podemos prescindir do pão. Mas podemos sempre demitir o merceeiro. Ou chicoteá-lo em praça pública. Eu preferia chicoteá-lo. Sei lá, podíamos perguntar ao Khadafi o que diz a lei islâmica num caso destes. Mentira, má gestão e assalto. Só para termos uma ideia, um termo de comparação…Talvez o chicote não seja apropriado mas quem sabe se não conseguimos um singelo apedrejamento. Afinal, ter lixado um país inteiro, é crime muito pior do que um corriqueiro adultério.
Olho para o estado da nação e acho isto tudo muito parecido com a Inglaterra medieval no tempo do Robin Hood. Lá, enquanto o rei Ricardo Coração de Leão se entretinha a matar mouros e a saquear castelos franceses, o país vegetava na mais negra miséria e o malvado Príncipe João, com a colaboração do pérfido xerife de Nottingham, sobrecarregava o povo de impostos, levando-lhe a maior parte das colheitas. O bispo guloso levava o resto. As pessoas morriam à fome.
Hoje em dia, felizmente, a Igreja já não pode rapinar nada e está, ela própria, sujeita a viver de esmolas. Mas, na ausência de um rei decente, andámos estes anos todos a ser desgovernados pelo Príncipe Pinóquio, um fidalgo de linhagem suspeita, provavelmente ilegítimo, com um duvidoso título de nobreza, aparentado com Cyrano de Bergerac ( o do grande nariz) pela parte da mãe e criado pelo carpinteiro Gepeto. O seu xerife de Lisboa encarrega-se de levar à prática os seus desígnios, sem piedade e com mão de ferro. Vivemos com pouco dinheiro, sobrecarregados de impostos, à beira de passar fome e ainda vai piorar. Já vi isto em qualquer lado. Precisamos de um herói popular, de um Robin Hood, alguém que roube aos ricos (eles) para dar aos pobres (nós). Um José das Matas, com os seus companheiros, um João Pequeno, um Tó Esquivo, um Manel Sorrateiro e um Chico Esperto. E se tem que haver um Frei Tuck, , os nossos religiosos mais colunáveis não me parecem elegíveis. Nem o padre Melícias e muito menos o cardeal Policarpo. Lembrei-me do padre Fontes, que há 25 anos organiza o fascinante Congresso de Medicina Popular em Vilar de Perdizes. Parece-me alguém muito alternativo e New Age. E, se não souber manejar um cajado, pode sempre optar por uma toxina virulenta à base de plantas, como arma. Matas é que o fogo não deixou muitas, para eles se acoitarem e temo mesmo que haja problemas com a madeira para fazer as flechas. Além disso, terão de viver da caça e aí vão-lhes cair em cima os esbirros do xerife de Lisboa, mais até por estarem a caçar em zonas de caça associativa ou turística, já que até os baldios foram roubados ao povo. Quanto à Lady Marion, temos uma Maria em Belém mas, com um pouco de sorte e paciência, talvez seja possível encontrar uma dama mais interessante.
Acreditem-me, isto já não vai ao seu lugar com greves gerais. Talvez com porrada geral. O meu pacifismo nato, o meu instinto de sobrevivência e uma preciosa cobardia impedem-me de me alistar. Apesar de eu fazer parte do alvo a abater, a classe média portuguesa e do inimigo público n.º 1, o funcionalismo nacional. Mas se não estou de corpo com essa empresa, estarei, pelo menos, de alma. E se esse exército chegar a ter Armada, eu e o meu “Popeye” estamos às ordens.
Provavelmente, excedi-me neste artigo. Não, excedi-me mesmo, tenho a certeza. Reconheço agora o meu erro. Vou ter de me desculpar perante os meus leitores. Não devia, de modo nenhum, ter chamado “príncipe” ao Eng.º Sócrates. É lamentável. Asseguro que não voltará a acontecer.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

CESTO DA GÁVEA

CESTO DA GÁVEA (Março de 1999)

EM QUE SE CHORA BABA E RANHO E SE CONFESSA UMA PROFUNDA AVERSÃO PELA POLÍTICA, EM PARTE GENETICAMENTE HERDADE, MAS TAMBÉM PRECOCEMENTE ADQUIRIDA E TOTALMENTE ASSUMIDA (IRRA, TANTO ADVÉRBIO DE MODO !)


Há pouco tempo, o jornalista Armando Mendes, do Diário Insular, no cumprimento de uma das missões mais importantes do jornalismo dos nossos dias, a denúncia das situações menos claras e a responsabilização dos políticos pelas asneiras cometidas, escrevia sobre a Marina de Angra do Heroísmo. Nessa peça, actualizava a triste situação, tecia diversos comentários e solicitava explicações. Essas, nunca aparecem, porque, quando os riscos de exposição pública são elevados, os políticos, acompanhados pelos seus cortejos de burocratas, preferem remeter-se ao silêncio, neste caso, ao contrário do filme de culto, o silêncio dos culpados (“The Silence of the Wolves”). Ou então, porque, como todos sabemos, no actual Gove3rno Regional, há pessoas detentoras de elevados cargos, que são,, publica e confessadamente, inimigos figadais da Marina de Angra e são capazes de jogar no marasmo e arrastamento, a ver se a coisa pega por aí e tudo vai caindo no olvido. Mas, quem, não alinha nessa do esquecimento, é a Somague, que lá vai arrecadando milhares de contos (quanto será em euros…) para nada fazer. Eu, pelo menos, que, como funcionário público, considero pagar impostos elevadíssimos ( a sempre adiada reforma fiscal portuguesa é já uma anedota nacional), gostaria de ver o meu dinheirinho bem melhor empregue.
Bom, mas não nos dispersemos e falemos claro, que é assim que eu gosto. Este artigo é mesmo para falar mal dos políticos e dos seus partidos. Há muitos anos atrás, tinha eu os meus verdes 18 aninhos, cometi o erro de votar num partido politico mas bem depressa me arrependi. Que me desculpem a imodéstia mas, num sinal bem claro de evolução intelectual, que me deixou muito bem comigo próprio, não o voltei a fazer. Abri recentemente uma excepção, porque já não suportava determinados comportamentos, certos figurões e quis participar na mudança. Já me arrependi amargamente porque não houve, ao fim e ao cabo, mudança alguma. O povo, na sua infinita sabedoria, diz que os políticos são todos iguais e, sem tomar tal juízo á letra, cada vez me convenço mais que isso é verdade.
Há anos atrás, quando era estudante universitário em Ponta Delgada, vivi, de muito perto, o lançamento do estatuto de objector de consciência (outra anedota nacional). Considerava-me, então, um pacifista e assim continua a ser mas não me revia no ridículo espírito da lei da época, que considerava a autodefesa como uma infracção ao estatuto; ou seja, um individuo dever-se-ia deixar imolar, se fosse atacado, por ser contra a violência, Nem um cristão ultra ortodoxo conseguiria ignorar o seu instinto de sobrevivência.
Nessas circunstâncias, precisei de apoio jurídico, de preferência a título gracioso, e alguém me indicou o deputado socialista, Dr. Carlos Mendonça. Tivemos, efectivamente, uma conversa no Palácio da Conceição e, no seu término, o Dr. Carlos Mendonça disse-me qualquer coisa deste género: “Você tem uma maneira interessante de pensar, porque não vem para a política ?”. Bom, poderia ter começado ali uma promissora carreira política, juventude socialista, uma devoção canina à causa partidária e, no futuro, quem sabe, pelo menos, um lugarzinho de deputado, nem que fosse daqueles de cú. Foi há catorze anos, tinha eu vinte e quatro de idade, mas orgulho-me de ter respondido exactamente o que responderia agora, qualquer coisa como: “ Muito obrigado mas não, nunca, quero conservar sempre a minha independência de espírito e uma certa pureza nas ideias e nas práticas”. Já agora, que nos referimos a anedotas, quero contar como acabou esta história. Paguei 5 contos de rei (muito dinheiro há 14 anos) a um advogado para me fazer declarar objector de consciência e cumpri todos os preceitos legais vigentes. Mesmo assim, fui chamado para a Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, (onde, efectivamente, encontrei muitas bestas) e cumpri 16 meses. Mas ainda há mais, uns 8 anos depois de ter passado à disponibilidade, recebi uma amável cartinha da Presidência do Conselho de Ministros, comunicando-me que fora aceite como objector de consciência…Este país é giro, não é ?
Todo este arrazoado não é, de modo nenhum, só por causa da Marina de Angra. Sou, com efeito, um indefectível apoiante dessa obra ( e da Marina da Praia também) e apenas me separa dos meus amigos do Porto das Pipas, uma sensibilidade para as questões da Arqueologia Subaquática que naturalmente devo ter, por formação e profissão. A minha opinião sobre alguns dos protagonistas da intervenção arqueológica subaquática é outra história. O que se passa, no fundo, é que, para além da minha aversão da base à politica, sou um descrente desta ilha e das suas gentes. Com efeito, não há como um terceirense para empatar tudo, não saber defender-se, não ser capaz de reivindicar os seus direitos, lutar pelas suas legítimas aspirações, defender os seus interesses, , não ser capaz de se unir aos outros em torno de uma causa comum. Somos uns bananas, essa é a verdade, por isso os ananases nos trocam sempre as voltas e se ficam a rir. E depois, temos muita de uma pretensa intelectualidade, que tem as suas próprias opiniões em grande conta e que nunca contribui para que se faça algo de jeito.
O panorama actual da ilha Terceira, em termos de realizações materiais, é desolador e é assim porque nós deixamos: a Marina de Angra é uma vergonha, uma borbulha de adolescente, daquelas bem purulentas, na face deste Governo (no futebol, nestas situações, costuma dizer-se “pede para sair”); a Marina da Praia avança mas a passo de caracol porque o Porto de Pescas não anda; o porto comercial da Praia da Vitória é outra anedota, não serve para quase nada, de momento; a reparação da estrada corrente, entre Lajes e Santa Bárbara, tem avançado ao ritmo que se conhece; o mesmo se diz do prolongamento da via rápida; a etapa final do saneamento básico é extremamente lenta; a reposição da calçada nesse âmbito foi a vergonha que se sabe; do alargamento do Hotel de Angra, de preferência com recuperação do antigo hotel contíguo, tal como ele era (cuidado com os mamarrachos…) ninguém ouve falar; do novo hotel no Fanal, idem; a Quinta do Caracol para lá está, nem avança sequer ao passo do dito; o museu de Angra do Heroísmo, não há maneira de abrir a parte principal da sua exposição permanente; soterrámos as pegadas do Vasco da Gama (que nos diz mais que qualquer dinossauro) depois de muito barulho e de um ridículo concurso de ideias; ninguém percebe o que vai acontecer ao Gabinete da Cidade e nem sequer conseguimos construir uma porcaria de uma escada no Páteo da Alfândega; e de certeza que me esqueci de alguma coisa. Haja juízo, isto é areia demais para a minha camioneta. Quem acredita nesta ilha ? Pelo menos vai-se escrevendo, não falta tudo. Escrever, falar pelos cantos, polemizar bastante e festejar, isso ainda é connosco. Salve-se a Rainha das Sanjoaninas, que é bem bonita. Até à próxima.

CESTO DA GÁVEA

DESPORTO E SUBSÍDIOS (Novembro de 1999)


EM QUE SE EXPLICA PORQUE NÃO DEVEMOS PRATICAR DESPORTO REGULAR TODA A VIDA NEM DEIXAR DE COMER À FARTAZANA QUE É PARA NÃO DEIXAR OS MÉDICOS DO CORAÇÃO SEM EMPREGO


Não me surpreendeu a recente notícia sobre a diminuição dos apoios oficiais ao desporto amador na região. Sei como funcionam as cabecinhas dos políticos e o dinheiro não chega para as encomendas. Como se diz, está caro o dinheiro..! O pior é que, nas cabecinhas dos políticos não há qualquer confusão sobre o papel das diferentes áreas do desporto. Não há políticos ingénuos. Há-os bem e mal intencionados mas os ingénuos são atropelados sem piedade logo no início da carreira e não tem outro remédio senão tornarem-se funcionários públicos obscuros ou abrir um negócio de computadores. Os políticos conhecem muito bem a diferença entre desporto/negócio, desporto organizado e desporto/saúde e vida. Sabem exactamente que expectativa de votos se cria à volta de cada um destes tipos de desporto.
O desporto espectáculo, da alta competição, dá muitos votos. É o mundo dos profissionais do desporto, do futebol, do ciclismo, do hóquei em patins, do atletismo, sobretudo estes, em Portugal. É também o mundo dos milhões de portugueses preguiçosos e ignorantes das mais elementares regras de saúde, que se sentam nos recintos desportivos ou em casa, em frente á televisão, a papar bifanas e a arrotar cerveja, enquanto vêem os seus ídolos a evoluir nos relvados, pelados e pisos sintéticos. Se lhes perguntarem, este pessoal diz que gosta de desporto mas estão tremendamente equivocados porque, o que eles querem dizer, é que gostam de ver outras pessoas a praticar desporto, o que é completamente diferente. Este é também e cada vez mais, um mundo de dinheiro e negócios, sujeito a regras empresariais e às leis do mercado, associado muitas vezes a situações duvidosas, a interesses mafiosos e a ligações perigosas entre interesses desportivos, financeiros e políticos. Em termos históricos, é o equivalente dos jogos de circo da Roma antiga, Serve, sobretudo, para entreter a populaça e faze-la abstrair daquilo que realmente importa na vida e que é bem mais difícil de conseguir. Está também intimamente associado ao mundos dos médicos cardiologistas e das urgências dos hospitais devido aos enfartes do miocárdio e tromboses que provoca na categoria dos desportistas sentados. Os políticos adoram associar-se a este tipo de desporto, de diversas maneiras, e para aqui nunca faltam verbas, se bem que seja sempre preciso mais, porque este género de desporto é um sumidouro de dinheiro. Tenho dois paradigmas negativos para sublinhar: um, nacional, é o caso de Carlos Lopes que, sendo uma referência para muitos jovens, mal se retirou, se pôs a engordar que nem um texugo; outro, internacional, é o de Michel Platini, um futebolista de eleição, que marcou a sua época e que me lembro de ter visto há algum tempo, num jogo de convívio, a inquietar-se para aguentar a barriga dentro dos calções, apesar de ser ainda bastante novo.
Outro tipo de desporto é o amador. É levado muito a sério e envolve bastante gente. É o desporto das pequenas e médias colectividades. A grande diferença é que não é pago ou, se é, pauta-se por valores muito baixos (hoje em dia quase não há clubes de futebol, mesmo dos regionais, que não pague qualquer coisinha aos seus atletas…) e as pessoas têm os seus empregos e treinam-se antes ou depois do trabalho. Aqui ainda se vê muito o amor à camisola mas já não tanto como dantes. Ainda não é desporto na sua verdadeira essência mas, como muitas vezes está bem organizado e envolve sobretudo os jovens, pode fazer a diferença entre uma geração saudável e empenhada em qualquer coisa e uma geração de vagabundos sem préstimo para nada e sem referências na vida. Mas, mesmo assim, ainda não é este o desporto mais importante, na minha humilde opinião, porque está quase exclusivamente associado á juventude e às piores formas de espírito competitivo e os praticantes, quando atingem uma certa idade, passam a usar as sapatilhas apenas para combinar com os fatos de treino que vestem ao fim de semana, para ir comprar comida e bebida ao supermercado e passear de automóvel. Este tipo de desporto também dá votos, por isso os políticos lhe dão alguma atenção, mas muito menos do que ao desporto profissional porque envolve verbas pequenas, multiplicadas muitas vezes pelo país fora e não dá tanto nas vistas. Interessa mais aos pequenos políticos, aos presidentes de Juntas de Freguesia e, eventualmente, aos das Câmaras Municipais.
Então, que desporto interessa verdadeiramente ? Afirmo e mantenho que o verdadeiro desporto é aquele que se pratica sempre, pela vida fora, desde criança até ao fim, por gosto, como hábito e atitude, como filosofia de vida, como precaução de saúde, com alegria de viver, sem ambições nem preocupações, porque é bom e porque sim. A modalidade não interessa, pode ser golfe, vela, corrida de manutenção, passeios a pé, futebol, natação, ténis, ginástica, etc. Sobretudo em idades mais avançadas, pode ser complementado ou até substituído, com vantagem, por sexo regular, de qualidade. No entanto, não dá quaisquer votos.
Como povo pouco educado e inculto que somos, ainda nos primórdios do desenvolvimento, ninguém aqui liga nenhuma a este tipo de desporto. Pelo contrário, quando se vê alguém ao fim do dia, a correr pela rua, de calções e sapatilhas, quando já podia estar a regalar-se com o belo bife com batatas fritas e a ver a novela no aparelho da cozinha, a tendência ainda é para dizer ou pensar: “lá vai aquele cromo…”. Tenho esperança que as coisas mudem um dia e as pessoas aprendam a amar e a preservar o seu corpo, visto que nunca se sabe o que nos vai calhar na próxima reencarnação… Mas será que aquele pai que vi há dias fora da Panificação a ensinar o seu filho de 3 ou 4 anos de idade, a atirar o copo de servete para o chão, lhe saberá explicar, algum dia, o valor do desporto descontraído e não competitivo, como fonte de felicidade e saúde ? Tenho as minhas dúvidas. Quantos aos políticos, não há nada a fazer, temos mesmo de conviver com eles. Até à próxima.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

VIDA DEPOIS DA VIDA


VIDA DEPOIS DA VIDA



HELIODORO TARCÍSIO

Os falecimentos de crianças ou jovens na flor da vida são os mais difíceis de aceitar e é comum que abalem fortemente a fé religiosa das pessoas envolvidas, criando amargura e ressentimento pela aparente injustiça do Deus em que crêem. Lembram-nos também, mais do que nunca, a fragilidade da condição humana, a certeza da nossa própria morte e o mistério a ela associado.
A possibilidade de uma vida espiritual e da existência de uma alma, independente do corpo físico, são temas que sempre me apaixonaram e que estão, frequentemente, presentes em muitas das minhas leituras.
Recentemente, li a versão eletrónica do original da conhecida obra de Raymond Moody, Life After Life (Vida Depois da Vida em português). Este autor é um conceituado médico americano com licenciaturas e doutoramentos nas áreas da Filosofia, Psicologia e Medicina (Psiquiatria), nascido em 1944 e que vive atualmente em Las Vegas, EUA.
Moody não tinha qualquer relação específica com a questão da sobrevivência espiritual à morte do corpo físico, nem nenhuma crença nessa área. Contudo, no decurso da sua prática profissional, confrontou-se com testemunhos de muitas pessoas que estiveram em situação de morte clínica, devidamente comprovada e foram ressuscitadas. As histórias dessas pessoas evidenciavam muitos traços comuns. Isso levou Moody a desenvolver um estudo nessa área, a partir dos relatos de 150 pessoas, recolhidos pelo próprio, com um traço comum inquestionável: a preservação da consciência individual após uma situação de morte clínica ou “quase-morte” (near death), termo criado pelo próprio Moody em 1975.
Aparentemente, esta pesquisa goza de credibilidade científica, uma vez que, para além da apresentação dos dados objetivos, coloca várias hipóteses possíveis e equaciona a sua própria refutação.
Uma das mais importantes conclusões de Moody é que, apesar da grande disparidade das pessoas envolvidas (em termos de idade, crença religiosa, educação e nível cultural) e embora cada relato, no seu todo, fosse único, era possível identificar uma quantidade apreciável de traços comuns à maioria. Muito sumariamente, esses traços são os seguintes:
Inefabilidade: dificuldade de descrever por palavras as experiências vividas.
Ouvir: memória de ter ouvido tudo o que foi dito pelos médicos ou outras pessoas presentes no local do evento ou próximo dele, incluindo a constatação médica da morte clínica.
Paz e tranquilidade: sensação de paz infinita e absoluta tranquilidade durante a ocorrência.
Ruídos: aparentemente, é comum ouvirem-se ruídos, sempre na parte inicial da ocorrência, que vão desde zumbidos a coisas mais estridentes e até mesmo música.
Túnel: também no início do processo, é muito comum a sensação de estar a viajar ou a ser “puxado” através de um ambiente estreito e escuro.
Ver o próprio corpo: é muito comum, as pessoas verem o seu próprio corpo físico (numa cama de hospital, por exemplo), ao mesmo tempo que têm a percepção que continuam a ter alguma espécie de corpo, não muito diferente do físico mas constituído por outro tipo de matéria.
Ver outros: é comum surgirem outras pessoas, que parecem ter uma missão de acolhimento e guia, que são, quase sempre, pessoas já falecidas e conhecidas do indivíduo em questão.
Ser de luz: é comum aparecer uma figura que quase toda a gente designa por algo como “ser de luz”, que comunica (telepaticamente, sem verbalização) com a pessoa e que transmite, invariavelmente, uma sensação de amor e aceitação incondicional.
Revisão da vida: o “ser de luz”, quando aparece, procede sempre a uma revisão de toda a vida da pessoa, que é feita numa escala de tempo inimaginável para os humanos e que é muito completa e realista, não comportando, todavia, qualquer censura ou punição, apenas avaliação e aprendizagem.
Limite ou fronteira: parece haver um limite ou fronteira, percepcionado de diferentes maneiras mas que significa um ponto de não retorno, depois de transposto.
Resistência ao regresso: depois de uns primeiros instantes de incredulidade e desespero perante a morte, o traço comum é, invariavelmente, a sensação de felicidade e de não querer voltar à vida física.
Relatar a experiência: não parece ser fácil encontrar pessoas disponíveis para relatar as suas experiências de quase-morte; enquanto elas próprias as sentem como algo muito real e verdadeiro, rapidamente percebem que o mundo à sua volta, não tem a menor disponibilidade e boa-vontade para ouvir e muito menos acreditar nos seus relatos.
Efeitos na vida: muitas das pessoas entrevistadas dizem que a sua vida mudou muito, para melhor, depois do incidente, que passaram a ser muito mais calmas, mais filosóficas e que a sua visão da vida se aprofundou e alargou; evidentemente, deixaram de recear a morte, pois passaram a acreditar numa vida para além dela.
Corroboração: curiosamente, muitas destas histórias puderam ser corroboradas, pelas pessoas presentes no momento das ocorrências, nomeadamente em relação ao que a pessoa, em situação de morte clínica, diz ter visto e ouvido.
Evidentemente, Raymond Moody é agora um crente na vida depois da morte, assim como na reencarnação e desempenha um papel importante na divulgação destas ideias, ao mesmo tempo que ajuda muitas pessoas.
A minha própria intenção, ao escrever este artigo, é apenas chamar a atenção para estas temáticas, ajudar as pessoas a refletir sobre temas filosóficos e lançar uma semente de esperança. Eventualmente, ajudar alguém na sua dor pessoal. Eu próprio, nunca “morri” até agora e nunca vi fantasmas. A minha aproximação a estes temas é tanto intuitiva quanto racional e a minha perspetiva é imensamente razoável. Ou há algo depois da morte ou não há nada. Se há, ufa, que alívio. Se não há, também cessará toda a dor. Porém, acredito que haja.
Devemos olhar com respeito para esta obra e estes testemunhos. Afinal, trata-se de pessoas comuns, Josés e Fátimas, que estiveram às portas da morte e regressaram. Ouçamos o que têm para nos contar, com o espírito aberto.
O famoso médium brasileiro, Chico Xavier, conta-nos que, numa situação de intenso medo de morrer (a bordo de um avião sob turbulência severa), o seu guia espiritual, Emmanuel, lhe apareceu e lhe disse que morresse com educação, se tivesse de morrer naquele dia. Tal como Chico Xavier, também penso que deve ser difícil morrer com educação. Com certeza que morremos agoniados, doloridos, urinados, vomitados e completamente acagaçados.. Mas já acredito ser possível morrer com conhecimento. POPEYE9700@YAHOO.COM

DIA EUROPEU SEM CARROS – 2010


DIA EUROPEU SEM CARROS – 2010








HELIODORO TARCÍSIO



E lá passou, de mansinho, o 11.º Dia Europeu Sem Carros. As reacções têm sido quase sempre as mesmas. Muitos não entendem, outros não concordam e há muita gente que, mesmo concordando, acha “que não vale a pena”.
Para mim, vale sempre a pena. Trata-se de uma acção anual de sensibilização para que toda a gente, mas especialmente as crianças, possa aperceber-se da beleza e da paz de um mundo sem automóveis, pelo menos no coração das cidades.
Na verdade, o mundo, salvo raras exceções, não precisa de automóveis particulares. Eles constituem uma necessidade perfeitamente artificial, mais uma triste criação humana. Existem sobretudo para enriquecer os donos de dois dos maiores poderes do mundo, o lobby dos donos do petróleo e o lobby dos construtores e comerciantes de automóveis. Claro que vender automóveis é uma atividade perfeitamente legal e digna. Os comerciantes são nossos amigos, familiares ou…somos nós próprios. Refiro-me a um nível muito mais profundo.
A monstruosa circulação constante de automóveis, na maior parte do mundo dito “civilizado” ou “urbanizado”, é um dos mais relevantes fatores que contribuem para o aquecimento global e que estão a matar e a envenenar o nosso mundo, agora já não lentamente. É um dos traços mais marcantes do nosso modelo de civilização, caraterizado por uma pressa aflitiva e inexplicável, para ir sempre mais depressa a todo o lado. É uma espécie de vírus de loucura coletiva.
Ao nível local, as nossas pequenas ilhas podiam ser idílicas. Mas temos vindo a saturá-las de uma forma absurda com tráfego automóvel, a um ritmo sempre crescente. Lembro a Terceira da minha infância e sinto o ambiente urbano insuportavelmente poluído, barulhento, feio, agressivo… Acho que foi também por isso que vendi o meu último carro em 2006 e não voltei a adquirir outro. Fartei-me de automóveis artificialmente caros, de taxas e mais taxas, de multas, de seguros mafiosos obrigatórios, de problemas de estacionamento, de gastos de combustível, de contas de oficina, de pombos a defecar-lhes em cima, da tirania da pressão social para manter o carro lavado (o conhecido “lava-me porco”). Passaram 4 anos e continuo a fazer calmamente a minha vida, como toda a gente, embora o mundo à minha volta, por falha das autoridades e por falta de educação das pessoas, seja cada vez mais hostil para com os peões. Andar a pé hoje em dia, em Angra, nos arredores e na ilha em geral, é cada vez mais perigoso e a Polícia de Trânsito está completamente concentrada nas multas dentro dos perímetros urbanos. Entretanto, no Largo da Silveira e no Caminho do Meio de S. Carlos, por exemplo, cresce o estacionamento abusivo e selvagem em cima dos passeios, atirando os peões para a rua. Talvez nem precisasse polícia se nos passeios fossem instalados marcos e correntes, que impedissem o estacionamento fora das zonas delimitadas.
A nível global, a situação piora constantemente. Países muito populosos, como a China e a Índia, com uma fortíssima tradição de transporte não poluente, a pé, de búfalo, de bicicleta, estão agora, alegremente, a equipar os seus cidadãos com carritos. A mensagem, louca, irresponsável, maliciosa, é que todos podem ter um carrito… Está aí a chegar o carro indiano, para todos.
Muitos sentem-se vagamente tranquilizados porque parece que alguns esforços estão a ser feitos: energias alternativas, carros elétricos, mais transportes coletivos. Mas desenganem-se, basta o carrito indiano para desiquilibrar tudo. E se alguém quiser ter um visão do Inferno, que Dante nunca poderia ter imaginado, que se atreva a fazer um curto percurso de carro, como eu já fiz, no centro de Jakarta, por exemplo.
A nossa vida é muito imperfeita e temos que a ir vivendo. O meu amigo Dudu vende carros e se isso o faz feliz, pois que venda muitos, para que possa continuar a encantar-nos com o seu pandeiro (ás vezes com o meu…) no Bossa Quinteto. E fico feliz pelos amigos que compram o carro novo dos seus sonhos. Mas, no fundo, minha gente, sinto dizê-lo, com toda a sinceridade, acho que estamos completamente lixados. POPEYE9700@YAHOO.COM

A FORMAÇÃO REACTIVA NA ORIGEM DO UNIVERSO


A FORMAÇÃO REACTIVA NA ORIGEM DO UNIVERSO




HELIODORO TARCÍSIO


Decidi escrever este artigo por três razões mas, irremediavelmente, não me recordo de uma delas. Coisas de senilidade precoce, certamente, talvez um pouco de aterosclerose. Antes isso que ter de recorrer ao Viagra ou a um grande mestre cientista espiritualista mago africano, com escritório na esquina da Casa de Utilidades. Quanto às outras, uma tem a ver com o facto de que Saramago desencarnou, eu próprio já não sou jovem e alguém tem de escrever certas coisas de uma certa maneira, embora com vírgulas. Outra é inspirada pela genialidade do Pe. Caetano Tomás e a sua explicação da vida através do conceito da formação reactiva. Quando li o artigo dele publicado em “A União” de 23 de Junho, finalmente fez-se luz no meu limitado e tacanho espírito. Seja o que for, a origem de tudo é formação reactiva. Isto não deixa de ser verdade só porque eu não o entendia bem antes. Não sei porque complicam tanto as coisas, se afinal este mundo é feito de pais e filhos, como dizia a Mafalda de Quino. Nem todos são pais mas todos são filhos de alguém. Eu a pensar que Hitler era apenas um monstro ocasional, entre tantos que não ficaram famosos e que o genocídio dos judeus europeus tinha sobretudo a ver com o racismo latente do povo alemão da época e com as peculiares condições sócio-económicas da Alemanha daquele tempo. Atrevi-me mesmo a tentar encontrar uma explicação psicológica profunda, radicada na frustração e na vingança de Hitler contra a Academia das Artes de Viena, que o achou um pintor medíocre. Sabendo nós o pendor que os Judeus têm para a cultura e para as artes, as ligações pareceram-me evidentes. Mas qual o quê! Afinal a culpa foi toda da mãe do Hitler, essa medonha Fraulein, verdadeira matriarca da família Adams, que o criou como “menino da mamã”. Provavelmente era a única pessoa que, sem lisonja, lhe gabava o ridículo bigodinho. Hitler, até nem era má pessoa, afinal ele tinha que transferir contra alguém “a negatividade que tinha contra a mãe”. Calhou aos Judeus, por tabela também aos ciganos e aos homossexuais, se fosse na atualidade, não tenho muitas dúvidas que teria calhado aos emigrantes portugueses na Alemanha, sobretudo depois daquele famoso golo do Carlos Manuel. Esse justificaria um genocídio, sem dúvida. Ainda por cima somos bastante areados (da cabeça) mas nada arianos.
Temos então que na origem de praticamente tudo na vida, está a formação reactiva. Depois de, finalmente, se ter feito luz nos meandros tenebrosos e labirínticos do meu pobre cérebro, agora não quero outra coisa. A formação reactiva é a mãe de todas as explicações. Tivesse-o entendido Saddam Hussein, em vez de insistir na mãe de todas as guerras, e não teria morrido pendurado pelo pescoço, a espernear. Nem estaria onde está agora, num canto esconso do Outro Mundo, muito amuado e mal encarado, condenado à masturbação eterna, porque nem uma das cento e onze mil virgens que por lá alternam, lhe liga pevas, uma vez que ele não chegou dentro de um saco de plástico, convenientemente despedaçado em centenas de pedaços para montar mais tarde, como um bom crente do Islão.
Penso que fiquei mais inteligente, mais calmo e mais maduro, depois de ler a argumentação do Pe. Tomás. Talvez seja por isso que estou convencido de ter descoberto a origem da vida e mesmo do próprio Universo. Nem traque cósmico nem Jardim do Éden. Nem Carl Sagan nem Rodrigo Bento. Neste momento, graças ao Pe. Tomás, acredito piamente que foi uma questão de formação reactiva do próprio Deus. Isto de ser Incriado, tem muito que se lhe diga. Imagine-se o que é estar para ali, desde sempre, presumivelmente para sempre, a boiar no meio de sabe-se lá o quê, sem poder sequer cuspir porque não há para onde… É de dar em doido, mesmo que se tenha uma cabeça genial. De que serve ser omnipresente, se não há lugar algum para ir? E ser omnipotente se não há tarefa alguma a cumprir? E de que serve ser omnisciente se não vai acontecer nada, nunca? Ná, acho que Deus andava muito recalcado e negativo com a mãe que nunca teve. Por isso mesmo arranjou uma, embora de forma algo tortuosa e deixando mal nesta história o pobre do José, que era uma paz de alma e parece que um carpinteiro muito competente. Talvez não merecesse o que lhe aconteceu. Seja como for, Deus andava a acumular ressentimentos a um ritmo inimaginável para os seres humanos. E depois de infindáveis e fastidiosos milénios perdidos na contemplação do buraco negro do seu divino umbigo, deve-lhe ter começado a germinar, poderosa, irresistível, a ideia de criar o Universo. Começando pela Luz, para Deus poder, ao menos, ver onde é que estava. Claro que, sendo omnisciente, pelo menos no caso da Humanidade, Deus sabia que aquilo ia dar fezes. Mas compreende-se, Ele tinha que ter alguém a quem mostrar a Sua obra, senão que graça teria? E de preferência alguém com livre arbítrio, para poder ter opiniões críticas, mesmo que pudesse estragar tudo e extinguir espécies, senão, onde estaria o gozo?
E foi assim que Deus, aborrecido, entediado, cheio de fermentações, criou isto tudo, o Céu, para sabermos de onde viemos e para onde iremos, o Sol, para não ficarmos aqui às escuras e termos luz de graça (a EDA é uma perversão do sistema e Deus não tem culpa alguma), o Caldo Primitivo, para as primeiras moléculas terem um local quentinho, confortável e discreto para os seus jogos sexuais e finalmente, criou também o Pe. Tomás, com a finalidade principal de nos explicar tudo isto, da formação reactiva.

Nota que não tem nada a ver: no Mundial de Futebol, no final do jogo Espanha/Portugal, confesso que senti medo, muito medo; medo que a FIFA escolhesse Cristiano Ronaldo para Homem do Jogo, caso em que já tinha decidido fazer greve de fome, o que não dá jeito nenhum no Verão; medo que Carlos Queiroz continue no comando técnico da selecção portuguesa; medo que Gilberto Madaíl não vá para a reforma, entreter os netos dele. E acima de tudo, senti medo, muito medo, um medo atroz que, de regresso a Portugal, dentro do avião, Cristiano Ronaldo, finalmente, conseguisse explodir.
Dado à estampa a 30 de Junho. POPEYE9700@YAHOO.COM

SOCIEDADE SEM PARTIDOS POLÍTICOS


SOCIEDADE SEM PARTIDOS POLÍTICOS

APENAS UMA UTOPIA ?



HELIODORO TARCÍSIO

Os partidos políticos estão muito preocupados com a abstenção eleitoral nos Açores. Que não é, aliás, assim tão diferente do resto do território nacional. Há muitas análises (políticas, claro) e algumas sugestões. Mas não vi nenhum dedo na ferida. Porque, na minha humilde opinião, o que está gasto e não mobiliza ninguém, muito menos os jovens, é o próprio sistema partidário. Mas não convém muito reconhecer isso, seria um primeiro passo para o suicídio, político, claro.
Hoje em dia é um facto irrefutável que o português comum está profundamente desinteressado da actividade política. Isso é imediatamente perceptível através do comportamento dos portugueses nas eleições. Há muito tempo que a abstenção em actos eleitorais vem crescendo de forma consistente. Responsáveis partidários e analistas políticos desdobram-se em análises, pareceres e opiniões. A verdade é que toda a gente reconhece que as coisas assim vão de mal a pior mas ninguém avança com soluções concretas para resolver o problema, muito menos os próprios partidos políticos. E não o fazem porque não lhes interessa minimamente. Mudar radicalmente a forma como se pensa e se age em política no mundo actual, implicaria, inevitavelmente, acabar com os partidos políticos.
Se formos procurar uma definição para “política”, provavelmente encontraremos algo como “arte de governar e tomar decisões de interesse colectivo ao serviço de uma comunidade, de um país ou de uma federação”. No entanto, essa é sobretudo a perspectiva idealizada da política. Na verdade, a política pode definir-se como a arte de chegar ao poder e conservá-lo a qualquer custo pelo máximo de tempo possível. Hoje, isso é apenas possível por meios democráticos, nas nações desenvolvidas.
As únicas motivações de um político deveriam resumir-se ao sincero desejo de contribuir com a sua inteligência e o seu engenho pessoal para o desenvolvimento de uma comunidade, cidade, região, país ou federação, sem prejuízo de, ao mesmo tempo, se envolver num tipo de actividade que lhe é pessoalmente gratificante – gestão de recursos humanos e materiais, desenho e implementação de projectos diversos, análise e definição de estratégias, etc – porque não há nada de errado nisso e as pessoas rendem muito mais e são mais felizes quando estão nos lugares certos e no momento exacto.
No entanto, tudo o que tenho visto, me diz que não é nada disso que se passa, salvo raríssimas excepções. Quem entra na política, fá-lo quase sempre movido exclusivamente pelas seguintes motivações e objectivos:
a) Acima de tudo, enriquecimento individual, quer directamente, por prever auferir um vencimento muito superior ao que auferia na “vida civil”, quer indirectamente, por ter a clara percepção que irá colher inúmeros benefícios, montando e gerindo pelos anos fora, redes de corrupção, tráficos de influências e contactos privilegiados nos meios políticos, financeiros, industriais, desportivos e comerciais.
b) Atracção fatal pelo poder, necessidade de exercer autoridade sobre corpos de subordinados, gosto por dar ordens e influenciar directamente a vida das pessoas.
c) Promoção social, culto da personalidade, ser conhecido na rua, aparecer na comunicação social, andar bem vestido, fazer viagens frequentes, comer muito e em bons restaurantes, conhecer gente importante, conhecer gente bonita e atraente, que só circula nos meios próximos do poder, ser respeitado e temido até.
A afirmação relativa ao enriquecimento individual, directo ou indirecto, não é uma fantasia minha. Ela é absolutamente comprovada pelos factos que vemos noticiados quase diariamente e que reportam a descoberta de escândalos, de casos de corrupção e de tráfico de influências, pondo a nu extensas redes de interesses interligados que chegam às mais altas cúpulas do poder. Na verdade, não é que os políticos de hoje sejam piores que os do passado. Não, a maior parte sempre foi má, exceptuando-se as tais honrosas excepções. A riqueza e o poder ligados à actividade política atraem as piores pessoas, como a podridão atrai as moscas. O que acontece é que funcionam muito melhor as instituições ligadas ao poder judicial, paradoxalmente criado e tornado teoricamente independente pelo poder político, uma condição indispensável nas sociedades democráticas. A capacidade de intervenção do poder judicial vem crescendo regularmente. Não nos damos conta mas a capacidade de investigação das instituições policiais é muito mais eficaz hoje em dia. Isso explica-se por várias razões: funcionários mais inteligentes, melhor formados, melhor seleccionados e mais bem preparados; a tremenda evolução tecnológica, sobretudo na área informática mas também no que concerne a outros meios tecnológicos; capacidade de investigação muito desenvolvida; reconhecimento de crimes muito especializados, como os chamados “de colarinho branco”, por exemplo e criação de departamentos específicos para os investigar; menor possibilidade de controle político das chefias; progresso social, cultural e mental geral , que permitiu às pessoas perceberem, interiorizarem e assumirem que não há intocáveis e que ninguém está acima da lei nem livre de suspeita. Este quadro evolutivo, sempre em curso, é que tem permitido toda a intensa actividade de detecção e investigação de crimes diversos envolvendo poderosos e conhecidos, a que temos assistido ultimamente. No entanto, apesar dos inúmeros processos em curso, quase não há culpados, condenações e expiação de culpas. Quase inevitavelmente, as montanhas parem ratos, os processos são arquivados, demoram tanto que os eventuais crimes prescrevem ou então, de alguma forma, os processos são abafados. Isso não invalida nada do que ficou escrito atrás. O que se passa é que a nossa jovem democracia está ainda em crescimento. As coisas já funcionam, embora de forma deficiente e o menos que falta é areia na engrenagem, que é do total interesse dos políticos.
Outro factor de evolução é tão notório que tem sido designado por “terceiro poder”. Refiro-me à comunicação social. Hoje em dia, grandes e poderosos grupos económicos estão por detrás de estações de televisão e de alguns jornais e revistas. Eles enriquecem a entreter as pessoa e a vender notícias. A seguir às tragédias, o que vende mais são os escândalos. Isso é tão importante que deu origem ao chamado “jornalismo de investigação”. Este tem o seu lado perverso e até imoral. Porque muitas vezes, no frenesim da notícia, usa fontes pouco seguras e dependentes, levantando falsos testemunhos. Todos sabemos que, por vezes são ditas mentiras nos jornais ou, pelo menos, verdades mal contadas, mas, frequentemente, basta a suspeição para manchar definitivamente uma reputação que até podia não ter mácula. No entanto, forçoso é reconhecer o importante papel da comunicação social, “farejando” e levantando as primeiras pistas sobre casos de corrupção, por exemplo, dando razão à velha máxima de que “não há fumo sem fogo”. Dentro das devidas balizas éticas e sem perder nunca o respeito e amor pela verdade, o “terceiro poder” é um importante elemento das sociedades democráticas.
Deve ser neste momento bem claro o meu pouco apreço pela actividade política e pelos políticos em geral. No entanto, o que realmente me repugna é a actividade partidária. Os partidos políticos são parasitas do sistema. Numa sociedade amadurecida e democrática, não fazem falta alguma, pelo contrário. Os partidos políticos só são importantes quando ilegalizados, em situações ditatoriais, cada vez mais raras no mundo de hoje, quando concentram os esforços, revolucionários ou pacíficos, para a instauração da democracia. Podem também desempenhar um papel importante nas democracias emergentes, quando ajudam a consolidar o ambiente de liberdade e enquadram personagens cuja intervenção é fundamental. Mas depois de amadurecida uma sociedade, a acção dos partidos políticos é sobretudo nefasta para o bem estar geral. A actividade partidária constitui uma perda de tempo e uma delapidação de recursos de todos os tipos, humanos, primeiro que tudo mas também materiais. É um sumidouro de fundos públicos. Anualmente, gastam-se fortunas para alimentar estes monstrinhos. Os partidos políticos constituem ainda o habitat por excelência de gente medíocre, incompetente, sabuja e descarada, que tenta garantir o seu futuro orbitando à volta dos que são mais espertos. O partido político é como um organismo vivo, parasitário, que importa nutrir e manter. O interesse partidário sobrepõe-se sempre ao interesse público e só acidentalmente coincidem. Quando um partido chega ao poder, fará tudo o que puder para o manter, normalmente sem quaisquer preocupações éticas. É por isso que os políticos mentem frequentemente, a tal ponto que chegam a dizer exactamente o contrário do que antes tinham dito. Os políticos dos partidos são, regra geral, indignos de confiança, porque farão qualquer promessa, não importa qual, para chegar ao poder. Uma vez lá, facilmente arranjam desculpas para faltar às suas promessas. Quando na oposição, os partidos deveriam colaborar na resolução dos problemas comuns, uma vez que perderam eleições democráticas. Quando muito, deveriam vigiar os governantes, no sentido de evitar ilegalidades e quebra de promessas. Mas as oposições fazem muito mais que isso. Para elas, nenhuma iniciativa dos governantes é boa. E consomem a maior parte do seu tempo a tentar prejudicar, empatar, sabotar e criticar as decisões e práticas dos governantes. Do mesmo modo, para os governantes, nenhuma ideia ou iniciativa das oposições é boa, mesmo que dela tenham partilhado no passado. Também não vale a pena apostar em nenhum partido oposicionista, pensado que “com eles será diferente”. Até pode ser que seja, mas por pouco tempo, porque o poder rapidamente corrompe, a teia maligna de ligações e dependências começa logo a ser construída, o principal esforço será sempre a manutenção do poder e a breve trecho o antigo partido oposicionista exibirá o mesmo autoritarismo que antes criticara, dizendo que “agora é diferente, governar é outra coisa”. Enfim, um panorama degradante que em nada contribui para o bem comum.
Os governantes e deputados, a todos os níveis, deveriam ser apenas grupos de cidadãos, eventualmente constituídos por pessoas de todos os quadrantes ideológicos que, com toda a naturalidade, discutiriam quando tivessem que discutir mas seriam absolutamente norteados pela finalidade do interesse público. Para dar um exemplo, muitas vezes a construção de mais um shopping ou de um novo aldeamento turístico, não tem o menor interesse para a população de uma determinada localidade, pelo contrário; mas acaba mesmo por acontecer porque os decisores políticos foram directamente corrompidos, porque é preciso atender aos interesses da clientela que os ajudou a ascender ao poder e a manter-se lá ou ainda porque a liderança do partido assim o decidiu. A permanência no poder deveria ser bastante reduzida porque a possibilidade de perpetuação no poder é muito perniciosa e conduz à formação de grupos promíscuos , inter dependentes, em que a satisfação de interesses privados e pessoais é o que predomina. Desse modo, far-se-ia uma selecção natural que permitiria o acesso aos cargos políticos de pessoas com uma motivação intrínseca, genuinamente interessadas em trabalhar em prol de uma comunidade por um breve período de tempo. Foi triste e degradante assistir recentemente ao espectáculo proporcionado por alguns políticos autárquicos, que estavam no poder há dezenas de anos, quando confrontados com a perspectiva de serem substituídos à força. O seu apego patético ao poder ficou então bem claro.
Os vencimentos não deveriam obedecer a nenhuma escala de referência. Deveriam ser simplesmente exactamente iguais aos que as pessoas auferiam nas suas actividades profissionais. E isso hoje é bem fácil de confirmar, a menos que haja fraude nas declarações de IRS. Se um candidato a deputado é funcionário bancário ou professor, uma situação corrente, então deveria manter o seu vencimento enquanto deputado. Mas se pelo contrário, um candidato a governante, fosse principescamente pago, por exemplo, como gestor de topo de uma grande empresa, então deveria receber também exactamente o mesmo enquanto governante. Eliminando as motivações extrínsecas interesseiras (enriquecimento material directo e indirecto, perpetuação no poder) ficaria garantido que só chegariam ao poder pessoas com motivações generosas e genuíno interesse em colaborar na persecução do bem comum. Pagar menos aos candidatos a políticos não faz sentido porque, no nosso mundo tão materialista, em que o dinheiro é tão importante, ninguém abdicaria de uma posição confortável na vida, para ir trabalhar no sector público. Mas pagar mais aos candidatos a políticos, que é exactamente o que se faz hoje, com o pretexto de assegurar a prestação dos mais competentes, também não faz sentido, porque assim está-se a assumir que é a componente financeira a grande motivação do candidato.
Resta ainda a questão dos privilégios e mordomias da classe política, chocantes num país pobre e actualmente em crise profunda. É chocante presenciar como os deputados se aumentam constantemente a si próprios, muitas vezes disfarçadamente, procurando que a opinião pública não perceba, enquanto para os trabalhadores do país são propostos aumentos ridículos e isto desde há muitos anos. É chocante ver as declarações públicas, graves e doutorais, do Governador do Banco de Portugal que, há demasiados anos vem ganhando no pobre Portugal muito mais do que o seu equivalente no país mais rico do mundo. Quando se ganha assim não é difícil falar do “despesismo e imprudência” dos portugueses, não é Dr. Victor Constâncio ?
No fundo, o que defendo é a moralização da política. Para fazer justiça à sua definição ideal, os seus protagonistas deveriam ser impulsionados acima de tudo pela vontade de servir, o seu concelho, a sua região, o seu país, por um período de tempo bastante limitado. Tenho toda a liberdade para falar assim, apesar de saber que estou a pregar no deserto. Posso gabar-me de total virgindade política..
No fundo, com o sistema que temos, toda a gente vai para a política para, de algum modo, se servir. Ninguém vai para servir. POPEYE9700@YAHOO.COM

SANJOANINAS 2006 (2)

SANJOANINAS 2006 (2)


Heliodoro Tarcísio



O Sr. Duarte Veríssimo assinou um artigo de opinião na edição de 13 de Julho do corrente do Diário Insular, intitulado “Trabalho ou divertimento ? “, em que critica veementemente um artigo da minha autoria, sobre as Sanjoaninas 2006. Devo dizer que fiquei satisfeito com a publicação desse artigo, que chegou apenas um pouco mais tarde do que eu esperava. Foi o próprio Diário Insular, através de nota editorial, a promover um debate público sobre o estado das Sanjoaninas e, naturalmente, um debate público é isso mesmo, um democrático e saudável confronto entre diferentes perspectivas, do qual poderá resultar algum ganho para todos nós e para o futuro das Festas.
Como certamente os leitores atentos compreenderão, sinto-me na necessidade de responder publicamente ao Sr. Veríssimo. Contudo, não faço questão de ter a última palavra nem de abrir aqui uma polémica que, essa sim, seria com certeza fastidiosa e inútil. Ficar-me-ei por aqui, desde que não me faltem ao respeito, bem entendido.
Apenas um pequeno reparo, o Sr. Veríssimo classifica o meu artigo de “extensivo” e “fastidioso”; queria dizer, com certeza, “extenso”, porque “extensivo” tem um significado bastante diferente. Era, com efeito, um artigo extenso, que o DI fez o obséquio de publicar em duas diferentes edições. Mas não vamos deter-nos em pormenores de qualidade semântica da nossa Língua. Quanto ao “fastidioso”, naturalmente trata-se de uma opinião pessoal; para que seja feita justiça, sugiro uma leitura comparada dos dois artigos.
Em termos gerais mantenho as minhas posições, especificamente sobre a minha adjectivação quanto às Sanjoaninas 2006, que classifiquei como fracas. Todavia, não creio estar sozinho neste campo. Não fui pesquisar mas lembro-me do próprio director do DI ter opinado em termos semelhantes em editorial. Aliás, só assim faz sentido a proposta de abrir um debate público. Por outro lado, vi outros artigos sobre as Festas deste ano e todos no sentido do meu. Além disso, ouvi inúmeras vezes expressa à minha volta a opinião de que as Sanjoninas têm vindo a baixar de qualidade, que o modelo está esgotado, e que este ano terá sido até mesmo, o pior de todos. Acrescento ainda que o feedback que recebi de algumas pessoas que me conhecem, relativamente às críticas que publiquei há dias atrás, foi no sentido da concordância e da identificação.
Por falar em identidade, tudo se torna mais claro quando o Sr. Veríssimo se identifica como membro da Comissão das Sanjoaninas 2006. O Sr. Veríssimo não gostou de ser criticado e fez a sua defesa. Nada mais natural e compreensível. É até mesmo um direito que lhe assiste. No entanto, talvez devido à sua confessada juventude, o Sr. Veríssimo poderá não ter ainda entendido que a crítica, desde que construtiva, bem intencionada e expressa com respeito e boa educação, é uma parte integrante e fundamental do processo de desenvolvimento e maturação das pessoas, instituições e sociedades.
Inteirei-me também, com muito gosto, do gargalhar do Sr. Veríssimo, visto que faz muito bem à saúde. E confesso que sou audaz mas, talvez por falta de inteligência da minha parte, tive alguma dificuldade em seguir o raciocínio, sem dúvida brilhante, do Sr. Veríssimo. Se bem entendi, só as pessoas que já fizeram parte duma Comissão das Sanjoaninas é que podem opinar sobre as Festas… Os restantes cidadãos são uma cambada de preguiçosos… Ora, se o próprio Sr. Veríssimo reconhece que estamos a falar de um reduzido número de cidadãos, sempre os mesmos, ficamos sem massa crítica, visto que todos sabemos que é extremamente difícil e pouco frequente alguém se auto-criticar.
Não vou aborrecer os leitores com considerações sobre o meu perfil hedonista, vocacionado para a fruição dos prazeres da vida; fui sincero ao confessar que nunca trabalhei nem ambiciono trabalhar nas Sanjoaninas. Contudo, abri o meu artigo com um enorme elogio às pessoas que o fazem. Muito convenientemente, o Sr. Veríssimo omitiu essa parte. Quanto a isso, só tenho uma coisa a dizer, tenho direito a expressar publicamente a minha opinião e continuarei a faze-lo. Ficamos conversados a esse nível.
Ainda no capítulo da omissão conveniente, quero chamar a atenção para o facto de que não me limitei a criticar; tentei descortinar algumas causas para os problemas e fiz algumas sugestões que terão certamente o seu valor relativo. Quem critica maliciosamente não faz sugestões mas o Sr. Veríssimo achou que também não valia a pena mencionar esses detalhes…
Além disso, em nome da verdade e porque não comecei agora a escrever nos jornais, gostaria de lembrar que em 2005, ainda nem tinham terminado as Festas e eu já tinha feito publicar um artigo no DI em que elogiava as Festas desse ano, chamando apenas a atenção para a limpeza da bacia interior do Cais da Alfândega. Não achei fracas as festas do ano passado, achei apenas que tinham menos gente a circular.
Fiquei também a saber que sou maníaco, isto é, que tenho manias, especialmente porque tenho a mania de comparar as Festas de Angra com as da Praia. Mas vou ter de acabar com isso, por intimação do Sr. Veríssimo. Ele acha simplesmente que são festas diferentes. Eu também acho.
Debrucemo-nos agora um pouco sobre o fenómeno “pimba”. Não fui ver o concerto do Emanuel do “nós Pimba” , graças a Deus, mas não duvido que o recinto tenha estado cheio… Nem duvido também que o mesmo aconteceria se viesse cá a Ruth Marlene do “pisca-pisca” ou o impagável Toy, o conceituado autor daquela coisa do “Aguenta-te com esta…” Agora, tenho formação suficiente para ser capaz de entender porque assim sucede. É uma verdade incontornável que somos uma sociedade já materialmente desenvolvida mas culturalmente ainda muito atrasada. Há imensos índices nesse sentido e por favor não me façam pôr a nu a vergonha nacional…A música que produzimos e consumimos, em termos de massas populares, é um reflexo dessa triste realidade. Curiosamente, o Sr. Veríssimo utiliza em defesa da música “pimba”, os mesmos argumentos das autoridades romanas relativamente à oferta de sangue derramado nas arenas dos circos romanos…”É disso que o meu povo gosta”…”. Posso entender que se traga gente como o Marco Paulo ou até o Tony Carreira, que, embora completamente fora do meu , acreditem, larguíssimo gosto musical, me parece serem herdeiros da tradição do cantor romântico nacional, da linha do Tony de Matos ou do António Calvário. Mas para mim há limites óbvios e continuarei a defender para os concertos das Sanjoaninas, um limite mínimo de qualidade que exclui, por completo, a música dita “pimba”.
É evidente que não vou rebater detalhadamente os argumentos do Sr. Veríssimo, isso ocuparia demasiado espaço e eu já defendi os meus pontos de vista no meu anterior artigo. Vou apenas clarificar dois ou três aspectos sobre os quais o Sr. Veríssimo lança a confusão. . Não tenho nada contra os Orishas ou o Boss Ac, antes pelo contrário. Critiquei sobretudo o alinhamento destas duas bandas para os últimos dois concertos e a escolha dos Boss Ac para o último concerto. Quanto ao Porfírio, na noite de S. João, não vejo o que possa ser “deplorável” na minha crítica e mais uma vez se confundem propositadamente as coisas. Adorei as noites de S. João animadas pelos “Coches” no passado. Conheço o Porfírio apenas de vista, já o ouvi cantar muitas vezes e mantenho a minha opinião: o Porfírio é dono de uma voz excelente, talvez mesmo excepcional mas não o considero um “músico” ou um “artista”; a sua escolha constitui uma opção óbvia e fácil, talvez causada pela falta de verbas. Se ele fosse realmente um “profissional” como insinua o Sr. Veríssimo, o mais certo, nesta altura do ano, seria estar noutra ilha ou no Continente, contratado para animar uma festa qualquer. Algo me parece estar a falhar na carreira dele… E agora quero confessar um lapso, esqueci-me realmente de referir a noite de fados, inovadora e com excelentes intérpretes e músicos, que conheço e admiro; pelo facto, apresento aqui as minhas públicas desculpas.
Não me vou alongar mais. Aguardarei ansiosamente nos próximos tempos pela publicação de perspectivas críticas diferentes das minhas, o que ainda não sucedeu até agora. Mas, por favor que sejam isentas e não venham da parte da Comissão de 2006, ou dos amigos e familiares deles. O que foi publicado no DI no dia 13 do corrente foi, inconfundivelmente, a defesa oficiosa de quem trabalhou nas Sanjoaninas deste ano. A grande confusão, provavelmente mais emocional do que maliciosa, reside no facto de se fazer parecer que eu ataquei essas pessoas, entre as quais se contarão, muito provavelmente, amigos ou pelo menos conhecidos meus. Nada mais erróneo, tenho a maior admiração por essas pessoas e deixei isso bem claro no meu artigo. A minha mensagem final é a mesma e duvido que vá mudar. Difícil ou não, é preciso recrutar outras pessoas, acabar com vícios e interesses instalados, que os há sem dúvida, seria a total ingenuidade pensar o contrário. É essencial também reflectir, definir um novo modelo e abrir as portas a novas ideias. Assobiar e olhar para o lado, não vai trazer bons resultados, de certeza. Desejo a melhor sorte para a Comissão das Sanjoaninas 2007 e que sejam umas festas de arromba. Conto estar por aí. Divertido mas bem atento.

SANJOANINAS 2006 – REFLEXÃO CRÍTICA

SANJOANINAS 2006 – REFLEXÃO CRÍTICA




. Heliodoro Tarcísio


Diz a sabedoria popular que o ferro se malha enquanto está quente… Com efeito, não faria sentido falar das festas meses depois; agora é que é altura de fazer o balanço e emitir opiniões. Como cidadão angrense e apreciador destas festas, pretendo deixar aqui a minha reflexão crítica, entendida tanto como um contributo para a sua imprescindível avaliação como o exercício do meu direito de livre expressão.
Quero começar por expressar publicamente o meu apreço pelas mulheres e homens que constituíram o corpo de voluntários para as Sanjoaninas deste ano. Sobretudo porque eu nunca quis fazer parte desse grupo; fui convidado num ano e declinei o convite, embora tenha providenciado no sentido de arranjar alguém que pudesse fazer o mesmo trabalho. Confesso que Sanjoaninas para mim significa diversão e não trabalho. Daí não hesitar em louvar as pessoas que dispõem do seu tempo e das suas energias em prol da comunidade, para que os outros se divirtam. Isso não significa todavia, que não possa participar no movimento de reflexão crítica que me parece estar a ocorrer neste momento. Creio até que essa será uma das vias que podem ajudar as Festas a evoluir e a ultrapassar certas dificuldades.
Pelo que tenho lido e ouvido, parece ser consenso geral que as Festas deste ano foram muito fracas. Partilho dessa opinião geral e isso preocupa-me, até porque considero que a qualidade das Festas tem vindo a diminuir de ano para ano, embora isso tenha sido um pouco disfarçado em 2005, devido, sobretudo, à novidade da transposição dos núcleos de acção principal para a renovada beira-mar angrense.
Este ano haverá razões conjunturais que ajudem a explicar o pior desempenho; vivemos uma crise económica profunda e consequentemente há menos disponibilidade de fundos, quer para a organização, quer para os cidadãos. Essa é uma dura realidade, provavelmente as coisas ainda vão piorar mais antes de melhorarem (essa é uma espécie de Lei de Murphy…) e quanto a isso nenhum de nós, individualmente, poderá fazer seja o que for.
Mas parece-me uma avaliação apressada e fácil, fazer recair todas as culpas sobre a actual conjuntura. Há questões de fundo que já têm vindo a ser afloradas nos últimos anos e para as quais começa a ser urgente encontrar soluções de compromisso e consenso. Não vou fazer uma análise exaustiva, vou limitar-me apenas a opinar sobre aquilo que considero mais importante:
- A Comissão – para quem assiste às Festas há muitos anos torna-se notório que as coisas são organizadas sempre da mesma maneira, pelo mesmo grupo de pessoas; que me desculpem, vou ser sincero, a Comissão tem vindo a parecer-me um feudo bastante fechado, auto-reprodutivo, reduzida há muitos anos sempre ao mesmo grupo básico que vai realizando algumas admissões controladas, ao nível de praticantes que, consoante o seu desempenho e qualidade demonstrada, podem um dia almejar o cargo máximo, o de Presidente. Talvez por isso mesmo seja evidente a falta de inovação e a dificuldade em encontrar soluções para velhos e novos problemas. Sei que deve ser difícil integrar outras pessoas, numa terra como a nossa, onde não há muita gente e há menos ainda com valor, ideias e espírito de sacrifício. Mas esta parece-me uma questão básica. Considero, contudo, que nunca será possível e provavelmente desejável, prescindir completamente de um corpo de voluntários locais; mas ao nível da direcção e em determinados sectores, nomeadamente a gestão financeira, a gastronomia e a componente musical, penso que é tempo de chamar profissionais e acabar com o amadorismo, que já não consegue inovar nem gerir convenientemente cada projecto anual.
- O Bailão – O recinto do Bailão, sobretudo ao longo da década de 90, foi-se tornando, com prós e contras como tudo nesta vida, o centro da festa. Sejamos claros: pode-se fazer muitos desfiles, exposições, cortejos etnográficos, carros alegóricos, etc, tudo isso está muito bem e deve continuar, embora procurando inovar e variar, para não cair na monotonia. Devemos tentar manter e mostrar a nossa cultura e tradições. O facto disso dever acontecer como reflexo de uma atitude organizada e sistemática e não de forma artificial e esporádica no âmbito das festas, é outra história e não cabe no teor deste artigo. Mas, dê-se as voltas que se quiser dar à questão, retire-se a comida, a bebida e a música e a festa morre. Esta ou qualquer outra. É tão simples como isso. É assim no Carnaval do Rio de Janeiro, no Mardi Gras de New Orleans, no Reveillon do Funchal ou em qualquer festival de Verão. Comida saborosa todos precisamos e apreciamos, sem música não há animação e álcool é a droga oficial da nossa civilização; consumida moderadamente anima, desinibe e promove a boa disposição; consumida exageradamente, pode ter consequências terríveis… Mas a Festa é e deve ser o reflexo do que estamos a fazer da nossa sociedade e não uma ocasião para moralizar. O Bailão foi sempre isso, o centro nevrálgico para a comida,a bebida e a música. Isso aconteceu de forma natural, por se tratar do único espaço no centro da cidade com aquelas características, bem localizado, amplo, disponível, de fácil acesso, com qualidades acústicas, um anfiteatro natural, enfim, perfeito, não fosse um pequeno detalhe: tem moradores à volta, alguns dos quais não partilham da febre das Festas e clamam pelo seu direito ao descanso. Tenho uma posição diferente da dos moradores e nem é por ser estranho ao meio porque a minha mãe é actualmente moradora do Bailão. Todavia, entendo os seus protestos, estou ciente dos seus direitos e penso que devem ser encontradas soluções de compromisso. Como há um choque frontal e inequívoco entre os interesses da cidade neste período e os direitos fundamentais dos moradores e como não é possível ir fazer concertos para a Caldeira do Guilherme Moniz nem ninguém decerto defenderá a instauração de uma Lei Seca, há que dialogar para encontrar consensos, convindo no entanto partir para o diálogo com a convicção de que será essencial usar da tolerância e bom senso e estar preparado para fazer cedências de parte a parte. Não vamos imitar as reuniões ridículas entre os Sindicatos e o Governo. Entendo que a solução do espaço do Relvão (já lá vamos…) encontrada pela Comissão deste ano, foi uma tentativa bem intencionada mas pouco inteligente de desviar um determinado tipo de animação do recinto do Bailão. A minha posição a este respeito é clara: penso que devemos manter o Bailão como centro da animação nocturna das Festas, mas instaurando determinadas regras que irão contribuir para diminuir certos excessos; por exemplo, não vejo mal nenhum em que as pessoas se divirtam até de manhã nas noites de fim de semana mas já acho pouco saudável que seja assim durante 10 dias seguidos. Então, eu proporia o seguinte à Comissão de Moradores do Bailão: o recinto seria o centro da animação sem limites artificiais nas noites de sexta-feira e sábado e na noite de S. João. Suportar o barulho nessas noites seria o pequeno contributo anual dos moradores para a animação das Festas. Deve haver tantos bares, tascas e tasquinhas quanto o recinto comportar e devem oferecer abundância de comida e álcool, sem hora para fechar. A animação espontânea deve ser tolerada e até fomentada, dentro dos limites razoáveis. Nos restantes dias seguir-se-ia o modelo deste ano, que me pareceu inteligente e equilibrado,os concertos começam mais cedo e estão associados à oferta de álcool; aí então sim, acabando os concertos, os bares devem fechar no espaço de meia hora e toda a gente deve respeitar essas regras, nem que seja à força. Resumindo, penso que devemos aproveitar as potencialidades do Bailão, até porque considero que não temos massa humana suficiente para espalhar a animação pela cidade toda, além de que há moradores em todo o lado. Fazer do Bailão uma espécie de quermesse com iluminação é o princípio do fim da festa. Deixemos as cruzadas moralistas para o George Bush.
- O Relvão – como já afirmei, a criação do recinto do Relvão foi uma tentativa de desviar um particular tipo de animação do Bailão. A animação associada às Raves ou Dance Music Parties, à juventude, ao álcool e ao consumo de substâncias tóxicas. Foi um erro porque resultou na criação de uma espécie de gueto. A mensagem era clara: se a tua ideia de animação é fazer uma directa, balançando o corpo ritmicamente ao som de música monótona, ingerir quantidades absurdas de álcool e consumir tóxicos ilegais, então vai até ao Relvão. E eles foram, claro. Há muitos erros de perspectiva envolvidos nesta decisão e convém dissecá-los: achar que o Bailão não deve ser o centro da animação nocturna, facto que já critiquei acima; achar que as pessoas se devem divertir em separado, os teenagers com os teenagers, os de 30 com os de 30, os velhinhos em casa e assim por diante; achar que os jovens se podem embebedar e drogar á vontade, desde que convenientemente longe das vistas públicas; achar que tem de se fazer Raves todos os dias das Festas; achar que uma Dance Music Party só pode ser feita por Dj’s que só gostam de ritmos House. Para concluir esta parte, penso que deve haver animação musical pós-concerto e pela noite fora no Bailão, nas noites de fim-de-semana e de S. João, com bandas ou Dj’s , tentando variar e inovar a nível de suportes musicais (por favor só House e Hip Hop não… - há os ritmos africanos, latinos, caribenhos, de fusão, etc…).
- Música – Eis que chegámos a uma das questões fundamentais. Os concertos constituem uma área vital para a Festa. Neste campo em particular não é possível fugir à comparação com as Festas da Praia da Vitória. Estas têm-se revestido de grande qualidade nos últimos anos e há muito que ultrapassaram as Sanjoaninas. É perfeitamente visível que há um grupo de pessoas na Praia da Vitória, ligadas à componente da selecção musical que tem uma série de qualidades essenciais para quem se quer meter nestas coisas… Bom gosto, conhecimentos musicais, contactos e muitas relações com o meio nacional e internacional. Embora com falhas porque nada é perfeito e por vezes com falta de receptividade por parte de um público inculto e pouco receptivo, tem sido uma delícia assistir nos últimos anos à selecção musical da Comissão das Festas da Praia da Vitória. A este nível, considero que temos vindo a viver um progressivo declínio nas Sanjoaninas e a edição de 2006 é um bom exemplo disso. Ao contrário do que disse o Sr. Presidente da Câmara Municipal em recente entrevista ao DI, penso que não só não houve grande qualidade em termos de selecção, como o alinhamento dos concertos também foi infeliz. Além de que agora deu-lhes para contratar “pimbas”. Penso que os músicos “pimba” têm o seu lugar natural em festas menores como no Porto Judeu, em S. Mateus, nos Biscoitos, etc (isto se os quiserem lá, claro…) e não tem qualidade para palcos das Sanjoaninas. Relativamente à edição deste ano, contesto a contratação do Emanuel que, podendo ou não ser uma excelente pessoa (até o considero um tipo simpático…) tem uma produção musical medíocre, a um nível perfeitamente menor. Penso que o Paulo Gonzo não tem feito nada de relevante e já cá veio muitas vezes. Os Xutos são os Xutos, uma banda emblemática e histórica, vale sempre a pena ver mas de semana não, teria sido uma excelente opção para o último Sábado, por exemplo, até porque o concerto deles foi ótimo e muito animado. A banda cubana (??) Orishas tem qualidade mas estão longe de ser um nome sonante e o som que produzem enquadra-se na área da fusão com um forte acento Hip Hop, que acaba por estar sempre presente e determina um registo pouco variado e algo monótono; além disso, o alinhamento de um som basicamente Hip Hop e de um som Rap para os últimos dois concertos, parece-me bastante discutível. Queriam uma coisa cubana mesmo ?? Então recordem-se do Septeto Habanero, a incrível banda de avôzinhos cubanos que tocou na Praia da Vitória há alguns anos, com o Vitorino… Recordem-se e aprendam…E para a noite de S.João, não sobrou dinheiro nem para uma dessas bandazinhas brasileiras que por aí pululam ?! A escolha do Porfírio para animar o recinto do Bailão parece-me muito desacertada… O Porfírio é dono de uma excelente voz e é tudo; não é um músico, não tem uma banda, nem tem sequer apetência para o palco, não produz um show; ter o Porfírio ou ter música gravada é sensivelmente o mesmo. Ali deve estar uma banda, como tantas vezes já aconteceu, capaz de produzir um espectáculo, animando o ambiente, quer pelo tipo de música, quer pela actuação em palco. E não há aqui qualquer antipatia da minha parte pelos músicos locais, os velhinhos, locais e extintos “Coches” cumpriram perfeitamente essa missão na época em que foram capazes de o fazer. Finalmente, quanto aos Boss AC, quer pelo tipo de musica, quer pelo facto de ser o último concerto, penso que foi uma má escolha, para um dia em que era habitual contarmos com excelentes concertos de grandes nomes portugueses ou brasileiros. Eles teriam estado bem durante a semana, por troca com os Xutos, por exemplo.
Resumindo, pode ter faltado fundos mas faltou também imaginação, qualidade, contactos, conhecimentos, iniciativa, inovação, tudo aquilo que temos visto na Praia da Vitória nos últimos anos. No campo da animação musical, é urgentíssimo e absolutamente essencial renovar ao nível da Comissão. Não nos dêem mais disto por favor, pelo menos se quiserem continuar a designar estas Festas como as maiores profanas dos Açores. Parece-me bem que esse lugar já pertence neste momento, por direito próprio, à Praia da Vitória e nós temos é que lutar para recuperar o ceptro. De preferência com outras pessoas.
- Gastronomia – É outra área incontornável. As pessoas gostam de comer bem nestes dias, é mais fácil divertirmo-nos de barriguinha cheia. E gostam de comer coisas diferentes. Talvez venha daí o sucesso da Feira Gastronómica na Praia da Vitória. Daí e da qualidade e variedade do produto oferecido, da nítida higiene, do bom aspecto geral do ambiente e da localização muito privilegiada. Confesso que considero esta questão uma das mais difíceis de resolver e inovar nas Sanjoaninas. Acho que deveria haver uma equipa a trabalhar só nesta área, de preferência incluindo profissionais. Não podemos nem devemos copiar a Feira Gastronómica da Praia da Vitória; a ideia foi deles, foi excelente, tem um grande sucesso e só nos resta aplaudir com fair-play e ir lá comer em Agosto porque essa Festa também é de todos nós. De um modo geral as pessoas acham as grandes tascas das Sanjoaninas muito caras e com uma baixa qualidade. Tenho ouvido falar de várias soluções e até mesmo já se defendeu a hipótese de se acabar pura e simplesmente com as grandes tascas e de remeter as pessoas para os restaurantes da cidade. Na minha opinião isso seria um erro; pretende-se ter as pessoas concentradas no centro da cidade e aí não há assim tantos restaurantes e os que existem não tem grande capacidade. Além disso, as tascas têm um ambiente e uma animação próprias que não são reproduzíveis num restaurante. No entanto, sou muito pelas soluções híbridas, de compromisso. Porque não pensar em entregar a exploração das tascas grandes a profissionais de restauração, em vez de grupos de cidadãos com maior ou menor jeito para o ofício ? Assim haveria, provavelmente, uma maior garantia de qualidade e higiene. E talvez os preços fossem também mais comedidos, uma vez que não se trataria de cidadãos comuns que só se metem naquilo para ganhar muito dinheiro, não valendo a pena de outra forma. Também não tenho mais ideias nesta área, lamento; resumindo, penso que devemos continuar a ter tascas, no Bailão, mas exploradas de outra maneira, por outras pessoas, independentemente de todas as outras tasquinhas e barracas que possam surgir espontaneamente pela cidade.
- Feira Taurina de S. João – A nossa Feira Taurina tem crescido em qualidade e importância, já tem neste momento projecção a nível internacional e constitui um dos ex-libris das Festas. Evidentemente, assim deve continuar. No entanto, dizem-me que muito dinheiro do orçamento das Festas vai para a Feira Taurina, restando cada vez menos para, por exemplo, os concertos. Mas algo não está bem contado aí, uma vez que sempre tivemos uma feira taurina de qualidade e simultaneamente bons concertos. Então porquê essa assimetria de custos agora ? Penso que a Feira Taurina deve estar incluída no programa das Sanjoaninas mas cada vez mais deve ter uma produção própria, até porque é um espectáculo pago e não é barato e inscreve-se numa área de actividade onde quase já não há amadorismo e se lida com conceitos de mercado e critérios completamente profissionais.
Termino aqui esta reflexão crítica que já vai longa, temendo até nem ter espaço suficiente nas páginas do DI. A minha mensagem final é bem clara: as Sanjoaninas estão doentes e o seu estado mórbido tem-se acentuado nos últimos anos. Penso que é preciso outras ideias, inovação, criatividade e qualidade. Como são as pessoas que fazem a festa… se calhar é preciso mudar as pessoas ou pelo menos enriquecer a Comissão com sangue novo e até mesmo com algum sangue profissional.

ILEGALIDADE, SELVAJARIA E VANDALISMO NAS FAJÃS DE S.JORGE

ILEGALIDADE, SELVAJARIA E VANDALISMO NAS FAJÃS DE S.JORGE




HELIODORO TARCÍSIO


Recém-chegado de umas raríssimas e muito saudadas férias em Agosto, é precisamente um relato de férias que vos trago. Mas não é pelas melhores razões, infelizmente.
Passei este mês como gosto, a vaguear pelas nossas belas ilhas, no meu veleiro, na companhia de pessoas que amo. Não se pode pedir melhor, excetuando, talvez, um tempo mais benévolo mas, se calhar, não o merecemos. No fim das férias, o Popeye acabou por ficar preso em S. Maria, impedido de navegar pelo mau tempo. Coisas do mar açoriano…
A segunda semana de Agosto, passámo-la em S. Jorge, ilha onde nasci, por acaso numa fajã, a dos Vimes, perto da Calheta, em data que já não me apetece referir. Com a minha esposa e outro casal, gente minha desde há muito, amigos do coração, realizámos, por fim, um plano que já acalentávamos há alguns anos. Tratava-se de passar uma semana acampando numa remota fajã de S. Jorge, em total comunhão com a natureza, relaxando, descansando, praticando o saudoso campismo da minha infância, longe dos aglomerados barulhentos de tendas, das regras e regulamentos, dos frigoríficos portáteis, dos aparelhos de TV e de loiras escaldadas do Sol.. Praticantes de caça submarina, queríamos viver basicamente dos frutos do mar, nadar, apanhar muito sol, fazer umas caminhadas matinais e, á noite, fazer uma fogueira e ficar a conversar, a fazer um pouco de música, a beber chá e a olhar as estrelas. Tudo muito calmo e ecológico, só possível em lugares remotos mas seguros, como os que existem nos Açores. É nessas alturas que nos apercebemos do imenso privilégio que é ter nascido e viver nos Açores.
Como cidadãos pacatos e cumpridores das leis, mesmo quando discordamos delas, munimo-nos das imprescindíveis licenças de caça submarina e dispusemo-nos a cumprir a lei, pelo menos no que respeita à caça submarina , já que, creio ser atualmente ilegal ou, no mínimo, desencorajado, o chamado “campismo selvagem”, fora dos respetivos parques. Compreendemos as razões de tal postura, uma vez que conhecemos o comportamento selvagem e desregrado de muitas pessoas que conspurcam, destroem e poluem o ambiente à sua volta. Seja como for, a esse respeito, estávamos tranquilos, uma vez que somos campistas ecológicos, que não poluem o ambiente, nem deixam lixo ou quaisquer vestígios da sua passagem. Fossem todos como nós…
Chegados a S. Jorge, deixámos o meu amado barquito, o Popeye, em segurança na marina de Velas e, de carro alugado, fomos até à Fajã das Pontas, na freguesia do Norte Pequeno, onde havíamos decidido acampar.
Correu tudo como tínhamos planeado e melhor ainda. Foi uma semana infinitamente mais santa que a da Páscoa. Fizemos tudo o que queríamos, da maneira que sonháramos. Relativamente à caça submarina, encontrámos um mar cheio de peixe, como era na Terceira da minha infância. Caçávamos apenas de forma ecológica e totalmente legal, uma vez que só capturávamos o peixe que podíamos consumir naquele dia, dado que não possuíamos qualquer meio de conservação de pescado nem era essa a ideia. Mais uma vez, fossem todos como nós…
Só não foi totalmente perfeito porque aconteceu um incidente que nos incomodou, embora não demasiadamente. Já tínhamos ouvido uns rumores sobre o facto de serem considerados indesejáveis caçadores submarinos e pescadores “de fora” nas fajãs do Norte de S. Jorge mas não lhes demos ouvidos, por termos achado que isso eram coisas do antigo Far West, impensáveis entre nós. Mas , um belo dia, fomos até à fajã vizinha, da Penedia, para experimentar caçar noutras águas, sempre dentro dos mesmos moldes. Enquanto nos equipávamos, um bando de indivíduos, junto a uma casa, na encosta, gritava na nossa direcção e gesticulava, de forma obviamente hostil. Não lhes ligámos nenhuma, já que sabíamos estar plenamente dentro da lei. Além disso, nem eu nem o meu amigo nos amedrontamos com facilidade. Somos, sim, pessoas de diálogo franco e teríamos conversado de bom grado com quem quer que fosse que nos tivesse interpelado. Ameaças e gritaria passaram-nos completamente ao lado. Fizemos, então, um curto mergulho, em que mais uma vez, respeitámos completamente a lei, não capturando espécies proibidas nem exemplares juvenis, ficando mesmo muito àquem do limite legal de 6 presas diárias por caçador, uma vez que não precisávamos de 12 peixes. Fomos apenas apanhar peixe para o nosso jantar. O pior foi a desagradável surpresa que nos esperava quando saímos da água: o nosso carro tinha os quatros pneus em baixo; não estavam rasgados mas também não tinham sido simplesmente esvaziados; tinham-lhes retirado as peças completas das válvulas. Ou seja, tratava-se de um acto de vandalismo, acompanhado de roubo. Lá em cima, na encosta, o mesmo grupo de indivíduos olhava de esguelha, mas agora calados, como se não fosse nada com eles. Graças aos telemóveis, conseguimos resolver o problema, ligando para a pessoa que nos havia alugado a viatura. Resolveu-se mas ele teve de ir e vir duas vezes, da Penedia à Calheta, porque o único remédio foi trazer quatro pneus novos.
A partir deste incidente e em conversa com habitantes locais, descobrimos que, nas fajãs do Norte de S. Jorge, basicamente entre a da caldeira do Santo Cristo e a do Ouvidor, está em actividade uma espécie de milícia popular, formada por indivíduos que por lá têm casas ou terrenos. Esta gente hostiliza, ameaça e, como ficou provado, vandaliza e rouba os não residentes que apareçam por lá para fazer caça submarina, apanhar lapas ou pescar. Segundo relatos que ouvimos, são até usadas armas de caça para intimidar as pessoas, fazendo-se disparos, por enquanto para o ar.
Sendo um comportamento inaceitável e absolutamente ilegal, no entanto, a princípio, nós até tentámos compreender o ponto de vista deles. Inocentemente, julgávamos então, que se tratava de um raro caso de aguda consciência ecológica das nossas gentes, num esforço excessivo e irracional para preservar o ambiente único das fajãs. Não podíamos concordar nem aceitar aquelas atitudes mas, lá no fundo, tal consciência até colhia as nossas simpatias. Só que o pior ainda estava para vir. Em diálogo com habitantes locais e quando sugerimos o recurso ás autoridades perante quaisquer actos ilegais ou depredatórios, apercebemo-nos, com estupefacção, que aquele pessoal não quer lá autoridades nenhumas, muito menos a Polícia Marítima. A razão é muito simples, apresentada com ingenuidade até: eles querem fazer o que bem entenderem nas suas fajãs, capturar o peixe e o marisco que lhes apetecer, sem quaisquer restrições. Ou seja, a estarrecedora verdade, é que aquele pessoal quer as fajãs só para eles e se julga dono do mar também.
Este tipo de comportamento é inaceitável e totalmente ilegal. Os turistas, regionais, nacionais ou estrangeiros, também podem caçar e pescar no território nacional, desde que tirem as respetivas licenças e cumpram a legislação em vigor. As fajãs de S. Jorge e os seus fundos marinhos são património comum, que pertence a todos nós. Alguém pode imaginar ou aceitar que os terceirenses reservem as touradas à corda só para eles ? Ou os micaelenses quanto às Furnas ? Ou os faialenses quanto ao vulcão dos Capelinhos ? Todos os recursos, de todos os tipos, naturais ou culturais, pertencem a todos e todos podem deles usufruir, desde que cumpram as leis em vigor. Opiniões particulares têm um valor relativo. O mundo não é governado por opiniões particulares, havia de ser bonito se fosse assim. Em democracia, o mundo é governado por leis comuns, elaboradas pelos representantes do povo. Se as pessoas das fajãs de S. Jorge se sentem lesadas nos seus direitos ou se têm queixas a fazer, devem queixar-se e agir através das autoridades e dos representantes legítimos do povo. E, já agora, em primeiro lugar, devem ser eles a dar o exemplo e a respeitar a lei. Se o intuito é preservar as fajãs e proteger os seus recursos naturais, então o caminho correto é evidente: reivindicar leis próprias e estatutos específicos, fiscalização ativa, etc, junto das entidades locais, juntas de freguesia, câmaras municipais e deputados eleitos. Não me espanta nem choca, embora me entristeça porque ainda sou da época feliz da fartura e da abundância, que algumas fajãs de S. Jorge, sejam um dia transformadas em reservas naturais ou que atividades como a caça submarina e a pesca desportiva sejam muito limitadas e regulamentadas, à semelhança do que aconteceu com a caça no Continente. Fenómenos terríveis, como a poluição geral dos oceanos, a sobrepesca, sobretudo a comercial e as alterações climáticas, empurrar-nos-ão, inevitavelmente, para esse tipo de medidas drásticas.
Até lá, o que há a fazer é respeitar a lei e conviver pacificamente com os interesses e necessidades das outras pessoas. Até mesmo porque violência gera violência. Desta vez, o casou passou-se com gente de paz como nós mas na Terceira, por exemplo, o menos que falta é gente que também tem armas de caça, tacos de basebol e que não leva desaforo para casa. Afinal é uma terra de Bravos, mesmo que muitas vezes se trate de bravos malandros.
Às gentes das fajãs de S. Jorge, enquanto não existe algum dispositivo legal que regulamente especificamente o usufruto daqueles lugares maravilhosos, recomendo que, primeiro que tudo, respeitem eles próprios a lei e depois, que contribuam para a preservação das fajãs através de atitudes democráticas e pacíficas de informação e sensibilização dos visitantes. Denunciando também ás autoridades competentes quaisquer atividades suspeitas de ilegalidade. Através das juntas de freguesia, por exemplo, a quem compete zelar pelo património da freguesia, deve ser possível realizar coisas muito interessantes, através de estudantes em férias, como aconteceu neste Verão, ao nível da prevenção dos malefícios do excesso de exposição solar.
Entretanto, deixem-se lá dessas “cowboyadas” à americana, é ilegal e fica-vos muito mal. Além de que há sempre um cowboy mais alto, mais forte, mais rápido, mais inteligente e melhor equipado do que nós.
Este artigo é, assumidamente uma denúncia pública, que preferi a uma queixa formal. Fica aqui expressa, ao meu estilo, de forma aberta e desassombrada. Sei que o DI se lê em S. Jorge e pretendo que os implicados no caso o leiam e, sobretudo, que as autoridades, regionais e locais, tomem conhecimento destes problemas e façam alguma coisa para os prevenir. No entanto, seria imensamente injusto se não referisse que, em geral, as pessoas de S. Jorge são muito simpáticas e hospitaleiras. Na nossa estadia de uma semana, a esmagadora maioria das pessoas com quem lidámos foi muito amigável e só temos bem a dizer delas. Ficámos especialmente agradecidos ao Sr.Adelino e esposa, do mini-mercado do Norte Pequeno, ao responsável pela marina de Velas e a algumas pessoas com casa na Fajã das Pontas que foram tão gentis connosco. Escrito a 1 de Setembro, em Angra do Heroísmo. POPEYE9700@YAHOO.COM

POR UM MUNDO DE GENTE COLORIDA


POR UM MUNDO DE GENTE COLORIDA




HELIODORO TARCÍSIO

Hoje vou referir-me, em termos muito resumidos, a determinados tópicos que abordei, ao longo do tempo, nomeadamente nas páginas do “Diário Insular”.
Faço-o, como é frequente, estimulado por opiniões que li nas páginas de “A União”. Admito que “A União” seja um jornal aberto e plural, uma vez que, inegavelmente, vejo lá artigos de todos os quadrantes ideológicos. No entanto, talvez por ser propriedade da Igreja Católica, é neste jornal que encontro posições marcadamente conservadoras que, muitas vezes, me levam a escrever.
Foi o caso de um artigo publicado a 17 de Novembro por alguém de quem discordo frequentemente, intitulado “É Preciso Não Esquecer”. Nesse artigo, o autor aborda diversas questões sociais, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a actual lei do aborto, a lei do divórcio e a lei das uniões de facto. Aborda esses temas tão complexos com ligeireza e sem profundidade, citando no entanto algumas datas e eventos. Pretende fazer-nos crer que o actual Governo, no que respeita a estas questões, age de forma arrogante, anti-democrática e descarada, procurando enganar os portugueses através do embuste.
Tais posições constituem, essas sim, uma descarada forma de manipular factos e ideias para tentar fazer parecer indiscutível e sem contradição, aquilo que não passa de meras perspectivas pessoais, de valor relativo.
Posso até eventualmente estar de acordo com este articulista no que respeita à qualidade e interesse dos partidos políticos, dos jogos de poder e dos seus protagonistas. A isso conto referir-me em breve em artigo que anda a fermentar dentro de mim. Mas não consigo deixar passar em claro opiniões deste cariz e vou aqui fazer um breve contraditório.
Começando pelo casamento entre pessoas do mesmo sexo, defendi e aplaudi recentemente a proposta legislativa socialista que vai no sentido da legalização e equiparação ao casamento civil. Esta será uma lei fundamental para a comunidade de homossexuais portugueses que constituem, sem dúvida, um quantitativo reduzido, face à população heterossexual, muito mais comum na natureza. Se o Manuel casar com o Joaquim ou a Conceição com a Fátima, isso será muito importante para eles, em termos de liberdades, direitos e garantias e poderá permitir-lhes sair da sombra, de um certo limbo social e levar uma vida com menos restrições, injustiças e desigualdades. Mas fará alguma diferença para os seus vizinhos e concidadãos? Com certeza que não, a vida prosseguirá o seu curso. A complexidade e sensibilidade deste projecto de lei radicam sobretudo nas suas implicações éticas, filosóficas e culturais. Levanta um coro de protestos porque colide com os preconceitos de muita gente e com os dogmas de instituições que, mesmo decadentes, continuam a ter influência na sociedade. Quero no fundo dizer que não me parece questão para referendo. Este constitui uma ferramenta fundamental no processo democrático mas, obviamente, não deve ser banalizado. Deve ser usado de forma muito criteriosa e ponderada. Acredito ser sobretudo por este motivo que o Governo não o planeia usar nesta questão e não porque “nunca admitirão um referendo, sabendo que vão perder”. Matéria para referendo é por exemplo, sem dúvida alguma, a questão do aborto, visto que é uma matéria extremamente delicada, com implicações no direito à vida, no respeito pela vida humana e tem implicações éticas e filosóficas muito profundas. Matéria para referendo seria, para dar outro exemplo, a alternativa entre o actual sistema republicano e uma monarquia constitucional, como reclamam os monárquicos portugueses, uma vez que se trata de uma questão transversal a toda a sociedade que mudaria profundamente o país e teria implicações a todos os níveis. O facto do livre casamento civil entre homossexuais constituir uma bandeira do programa do Governo socialista e uma promessa eleitoral, é coerente e faz sentido num contexto de mudança de cariz progressista que procura criar um novo país, mais liberal e vanguardista. Essa proposta era bem clara no programa eleitoral socialista e se era assim tão fracturante, isso não se foi visível nos resultados eleitorais, pelo contrário.
Quanto ao aborto, tema que também me é caro, até por motivos pessoais, é preciso muito cinismo para usar a expressão “financiamento público do aborto” e fazer uma leitura absolutamente tendenciosa do processo português. O que se passou e isso são factos e não juízos de valor, é que o Governo tentou fazer aprovar a chamada “lei do aborto” desde o início de 1997, não o tendo conseguido por diferença de um voto e conseguindo-o um ano mais tarde, por uma diferença de nove votos. Mesmo assim, tornou-se insuportavelmente óbvio que o tema era muito sensível, socialmente transversal e demasiado importante para ser decidido apenas por políticos e seus interesses partidários. As instituições democráticas funcionaram como deve ser e foi então decidido e muito bem que o país devia ser consultado sobre o assunto. No período de preparação do referendo, Portugal viveu um intenso, alargado, democrático e salutar debate sobre o assunto. Ficou então bem claro que ninguém, exceptuando mentes perversas ou doentes, defendia a bondade do aborto. Ninguém disse que o aborto é bom, realmente não é e isso nunca esteve em causa. O que estava em causa verdadeiramente, era a despenalização da prática do aborto, o que não é, de modo nenhum igual ou sequer vagamente parecido com “liberalização do aborto” ou “financiamento público do aborto fácil e gratuito”. Isso era e continua a ser fundamental num país pobre e culturalmente atrasado, com uma altíssima taxa de gravidez na adolescência, muita violência doméstica, sem educação sexual escolar, com baixíssimo poder de compra e com dificuldades de acesso aos cuidados básicos de saúde. Infelizmente, na altura, quem estava no poder não teve inteligência suficiente para fazer reflectir essa realidade na formulação do referendo e na altura o “não” ganhou”. Contudo, ficou claríssimo que a sociedade estava muito dividida e que, numa situação assim, não era aceitável que as mulheres portugueses continuassem a fazer abortos em clínicas clandestinas, com todos os perigos que isso encerra, a terem de viajar para os fazer no estrangeiro ou, em última análise, a serem presas por terem praticado um aborto voluntário, uma vez que isso era legalmente possível. Creio ter sido este tipo de convicções que norteou a acção do Governo e não qualquer plano para enganar os portugueses através de “um magnifico embuste”.
Pessoalmente, para deixar bem clara a minha posição, penso que, idealmente, nenhuma mulher deve achar-se numa situação em que precise de abortar. O País deve evoluir no sentido de eliminar completamente a necessidade de fazer um aborto. E um Governo que permita o aborto em determinadas condições mas não actue com muita energia e eficácia sobre as condições que levam à realização de abortos, será sem dúvida um Governo medíocre e incompetente. Mesmo que haja muitas sensibilidades diferentes e ligação íntima com questões sempre em aberto, se existe alma ou não, se o feto humano é um ser humano, se sim a partir de quando, etc, o aborto será sempre intrinsecamente mau e uma agressão à vida. As minhas convicções pessoais, que passam pela crença na existência, individualidade e imortalidade da alma e na reencarnação como meio de evolução dos espíritos, não poderiam nunca admitir o aborto, muito menos “fácil e barato”. Contudo, a verdade é que, mesmo sendo difícil e caro, ele praticava-se em larga escala. Enquanto o País não evolui, coisa que é missão e responsabilidade de todos nós, sob gestão do Governo que elegemos a cada 4 anos, pelo menos que nenhuma mulher seja presa por uma infelicidade dessas.
Ainda outro tema abordado de fugida no artigo de “A União”: a “banalização” do divórcio, que a Igreja Católica continua a proibir e que gostaria de ver dificultado ao máximo pela sociedade civil e as leis dos homens. Sobre este tema discorri com gosto há meses atrás em artigo publicado no “Diário Insular”. Nesta área considero que o nosso País deu recentemente passos de gigante em termos de evolução social e cultural, ao promulgar novas leis relativas ao divórcio e às uniões de facto, rompendo com tradições atávicas e preconceitos arraigados. Quanto aos “desconfortos” de Cavaco Silva, eles eram perfeitamente previsíveis no presidente da república mais apagado que já tivemos no Portugal democrata. Cavaco Silva nunca devia ter deixado de ser aquilo que começou por ser: um rapaz de Boliqueime com jeito para os números, e que o clube de domésticas de Tony Carreira acha bonito. É e sempre foi um político básico, cinzento, sem visão nem chama, sem comparação com Mário Soares e Jorge Sampaio, inferior até, à rigidez de Ramalho Eanes. Conservador até à medula e de espírito fechado, vai sentir desconfortos de estômago sempre que for confrontado com ideias estranhas ao seu pequeno universo mental e arvorar-se numa das “forças de bloqueio” que tanto o incomodavam quando era governante.
Por último, seria uma deliciosa ingenuidade, se não fosse uma irritante presunção, clamar que “(…) as gerações futuras censurarão asperamente a nossa pelas terríveis infâmias legais cometidas contra a vida e a família (…)”. Todas as gerações merecem algum tipo de censura porque em todas se cometem erros. Mas eu acredito que mais depressa seríamos censurados por teimarmos em discriminar homossexuais, prender mulheres que abortam e dificultar divórcios enquanto à nossa volta o mundo pula e avança.
O nosso mundo é ainda muito imperfeito. Mas são claros os sinais de que entrámos uma nova era. Um tempo em que o amor incondicional (por todos os seres humanos em primeiro lugar mas também pelos animais, pelo ambiente, pelo planeta…) e a paz terão de estar muito presentes. Mas também um tempo fortemente marcado pela tolerância, pela abertura de espírito, pela inteligência emocional, pela aceitação da diferença e pelo corte com o passado. Um mundo sem pretos nem brancos, um mundo de gente colorida. POPEYE9700@YAHOO.COM