DESPORTO E SUBSÍDIOS (Novembro de 1999)
EM QUE SE EXPLICA PORQUE NÃO DEVEMOS PRATICAR DESPORTO REGULAR TODA A VIDA NEM DEIXAR DE COMER À FARTAZANA QUE É PARA NÃO DEIXAR OS MÉDICOS DO CORAÇÃO SEM EMPREGO
Não me surpreendeu a recente notícia sobre a diminuição dos apoios oficiais ao desporto amador na região. Sei como funcionam as cabecinhas dos políticos e o dinheiro não chega para as encomendas. Como se diz, está caro o dinheiro..! O pior é que, nas cabecinhas dos políticos não há qualquer confusão sobre o papel das diferentes áreas do desporto. Não há políticos ingénuos. Há-os bem e mal intencionados mas os ingénuos são atropelados sem piedade logo no início da carreira e não tem outro remédio senão tornarem-se funcionários públicos obscuros ou abrir um negócio de computadores. Os políticos conhecem muito bem a diferença entre desporto/negócio, desporto organizado e desporto/saúde e vida. Sabem exactamente que expectativa de votos se cria à volta de cada um destes tipos de desporto.
O desporto espectáculo, da alta competição, dá muitos votos. É o mundo dos profissionais do desporto, do futebol, do ciclismo, do hóquei em patins, do atletismo, sobretudo estes, em Portugal. É também o mundo dos milhões de portugueses preguiçosos e ignorantes das mais elementares regras de saúde, que se sentam nos recintos desportivos ou em casa, em frente á televisão, a papar bifanas e a arrotar cerveja, enquanto vêem os seus ídolos a evoluir nos relvados, pelados e pisos sintéticos. Se lhes perguntarem, este pessoal diz que gosta de desporto mas estão tremendamente equivocados porque, o que eles querem dizer, é que gostam de ver outras pessoas a praticar desporto, o que é completamente diferente. Este é também e cada vez mais, um mundo de dinheiro e negócios, sujeito a regras empresariais e às leis do mercado, associado muitas vezes a situações duvidosas, a interesses mafiosos e a ligações perigosas entre interesses desportivos, financeiros e políticos. Em termos históricos, é o equivalente dos jogos de circo da Roma antiga, Serve, sobretudo, para entreter a populaça e faze-la abstrair daquilo que realmente importa na vida e que é bem mais difícil de conseguir. Está também intimamente associado ao mundos dos médicos cardiologistas e das urgências dos hospitais devido aos enfartes do miocárdio e tromboses que provoca na categoria dos desportistas sentados. Os políticos adoram associar-se a este tipo de desporto, de diversas maneiras, e para aqui nunca faltam verbas, se bem que seja sempre preciso mais, porque este género de desporto é um sumidouro de dinheiro. Tenho dois paradigmas negativos para sublinhar: um, nacional, é o caso de Carlos Lopes que, sendo uma referência para muitos jovens, mal se retirou, se pôs a engordar que nem um texugo; outro, internacional, é o de Michel Platini, um futebolista de eleição, que marcou a sua época e que me lembro de ter visto há algum tempo, num jogo de convívio, a inquietar-se para aguentar a barriga dentro dos calções, apesar de ser ainda bastante novo.
Outro tipo de desporto é o amador. É levado muito a sério e envolve bastante gente. É o desporto das pequenas e médias colectividades. A grande diferença é que não é pago ou, se é, pauta-se por valores muito baixos (hoje em dia quase não há clubes de futebol, mesmo dos regionais, que não pague qualquer coisinha aos seus atletas…) e as pessoas têm os seus empregos e treinam-se antes ou depois do trabalho. Aqui ainda se vê muito o amor à camisola mas já não tanto como dantes. Ainda não é desporto na sua verdadeira essência mas, como muitas vezes está bem organizado e envolve sobretudo os jovens, pode fazer a diferença entre uma geração saudável e empenhada em qualquer coisa e uma geração de vagabundos sem préstimo para nada e sem referências na vida. Mas, mesmo assim, ainda não é este o desporto mais importante, na minha humilde opinião, porque está quase exclusivamente associado á juventude e às piores formas de espírito competitivo e os praticantes, quando atingem uma certa idade, passam a usar as sapatilhas apenas para combinar com os fatos de treino que vestem ao fim de semana, para ir comprar comida e bebida ao supermercado e passear de automóvel. Este tipo de desporto também dá votos, por isso os políticos lhe dão alguma atenção, mas muito menos do que ao desporto profissional porque envolve verbas pequenas, multiplicadas muitas vezes pelo país fora e não dá tanto nas vistas. Interessa mais aos pequenos políticos, aos presidentes de Juntas de Freguesia e, eventualmente, aos das Câmaras Municipais.
Então, que desporto interessa verdadeiramente ? Afirmo e mantenho que o verdadeiro desporto é aquele que se pratica sempre, pela vida fora, desde criança até ao fim, por gosto, como hábito e atitude, como filosofia de vida, como precaução de saúde, com alegria de viver, sem ambições nem preocupações, porque é bom e porque sim. A modalidade não interessa, pode ser golfe, vela, corrida de manutenção, passeios a pé, futebol, natação, ténis, ginástica, etc. Sobretudo em idades mais avançadas, pode ser complementado ou até substituído, com vantagem, por sexo regular, de qualidade. No entanto, não dá quaisquer votos.
Como povo pouco educado e inculto que somos, ainda nos primórdios do desenvolvimento, ninguém aqui liga nenhuma a este tipo de desporto. Pelo contrário, quando se vê alguém ao fim do dia, a correr pela rua, de calções e sapatilhas, quando já podia estar a regalar-se com o belo bife com batatas fritas e a ver a novela no aparelho da cozinha, a tendência ainda é para dizer ou pensar: “lá vai aquele cromo…”. Tenho esperança que as coisas mudem um dia e as pessoas aprendam a amar e a preservar o seu corpo, visto que nunca se sabe o que nos vai calhar na próxima reencarnação… Mas será que aquele pai que vi há dias fora da Panificação a ensinar o seu filho de 3 ou 4 anos de idade, a atirar o copo de servete para o chão, lhe saberá explicar, algum dia, o valor do desporto descontraído e não competitivo, como fonte de felicidade e saúde ? Tenho as minhas dúvidas. Quantos aos políticos, não há nada a fazer, temos mesmo de conviver com eles. Até à próxima.
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
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