CASAMENTOS HOMOSSEXUAIS
CONSIDERAÇÕES OUTRAS (PARTE III)
HELIODORO TARCÍSIO
Este texto é o contraditório do artigo de Rodrigo Bento (RB) publicado no D.I. de 16 de Dezembro sobre os casamentos homossexuais, Parte II.
Sou heterossexual e os homossexuais da Terceira não me passaram procuração alguma. Todavia, tenho-me envolvido na discussão pública do casamento homossexual por considerar que, embora possa parecer marginal (o que é o casamento do Manel com o Xico à vista da recente calamidade na Agualva…), este é na realidade um assunto com uma enorme carga simbólica. O nosso país gosta de se arvorar em farol do mundo mas, com algumas notáveis excepções, de que é exemplo a abolição da escravatura em 1836, a sociedade portuguesa classificou-se sempre como pouco educada, inculta, ignorante, preconceituosa e avessa a novas ideias. Essa realidade só bem recentemente começou a mudar e de forma assaz lenta. Daí a importância das iniciativas legislativas agora implementadas, que podem contribuir para que o nosso país progrida, não apenas no plano material mas também ao nível intelectual e moral e deixe de se destacar no mundo apenas pelo deficit público, desemprego, falta de qualificação profissional, analfabetismo funcional, iliteracia, intolerância racial, conservadorismo, preguiça, desorganização, 100 soldados no Afeganistão, uma fragata na Somália e a participação nas fases finais dos europeus e mundiais de futebol.
Infelizmente, e lamento muito o que escrevo a seguir, o texto de RB inscreve-se nitidamente na área do fundamentalismo cristão. Num completamente improvável cenário de ficção “orwelliana”, se gente desta mandasse alguma coisa, poderíamos vir a ser algo como a República Cristã de Portugal. Se há dúvidas, basta fazer um pequeno exercício, substituindo duas simples palavras no texto de RB, “Deus” e “Bíblia” por “Alá” e “Corão”. “(…) Temos que descobrir o que Alá pensa sobre o assunto [ homossexualismo]. Como fazê-lo ? Lendo o Corão. Ele é um livro actual que trata temas actuais (…)”. Isto soa a “dejá entendu” ? Pois claro, a mim também.
Todas as religiões têm os seus textos sagrados, de origem divina e transmissão mais ou menos nebulosa, todos igualmente respeitáveis. Confesso que não sou um estudioso da Bíblia mas tenho por esta obra o mesmo respeito que tenho por outros textos semelhantes. Contudo, respeito não significa cretinismo intelectual. No tempo de razão iluminada que ora vivemos, não me parece possível uma pessoa inteligente e com um espírito crítico desenvolvido e independente, interpretar a Bíblia literalmente e menos ainda considerá-la “a palavra de Deus”. Hoje em dia, sabemos que a Bíblia é uma colecção heterogénea de textos escritos ao longo de muitas centenas de anos por largas dezenas de pessoas diferentes. Esses textos, compreensivelmente, reflectem de forma clara, as condições sociais, morais e culturais das épocas e lugares em que foram produzidos. Como se isto não fosse suficiente, por si só, os textos bíblicos são os seleccionados por uma organização de dominação universal como a Igreja Católica, que os proclamou os únicos verdadeiros, em detrimento de outros, que sabemos existirem ou terem existido mas cujo conteúdo poderia ser menos favorável aos desígnios daquela instituição, quiçá, contrariando dogmas fundamentais. Só mentes limitadas e fanatizadas, podem pensar em interpretar radicalmente a Bíblia e especialmente encará-la como a fonte legislativa principal de uma nação. Hoje em dia, isso só acontece nos regimes islâmicos, em comunidades de fundamentalistas bíblicos americanos e, claro, na cabeça de RB.
O que é realmente importante na Bíblia, como código universal de conduta moral, é os Dez Mandamentos e mesmo assim, o texto bíblico original carece de reflexão e adaptação à actualidade, porque, seja qual for a sua proveniência e pese embora a sua universalidade e intemporalidade, percebe-se perfeitamente que foi escrito para a humanidade do tempo de Moisés. Contudo, dificilmente se poderá negar que, se a maior parte das pessoas seguisse os Dez Mandamentos na sua essência mais profunda, o mundo seria bem melhor, com muito menos maldade, orgulho, ambição, inveja, malícia, cobiça e egoísmo.
As pessoas têm de entender e aceitar que o laicismo dos estados modernos é uma conquista fundamental da humanidade e veio para ficar. No mundo civilizado acabaram-se as religiões oficiais. Não acabaram as religiões nem é desejável que acabem, todas elas são importantes e, cada uma a seu modo, prestam o seu contributo na tentativa de explicação da vida, da origem e destino da humanidade e na divulgação e implementação de códigos morais. Católicos, protestantes, evangélicos, muçulmanos, budistas, espíritas, todos nos trazem mensagens importantes e válidas. Mas é fundamental que todas as religiões possam transmitir as suas mensagens num clima de liberdade, abertura e tolerância, atraindo quem tiverem de atrair, sem que nenhuma procure sobrepor-se a outra, clamando ser a única detentora da Verdade. E acima de tudo, devem estar completamente separadas do Estado. Essa é uma das vias mais importantes para acabar com o fanatismo islâmico.
Não era minha intenção escrever um artigo sobre religião mas a verdade é que a maior parte do texto de RB é sobre religião e procura mostrar que Deus condena o homossexualismo, que isso está na Bíblia e que o país, em vez de rever a sua Constituição, deveria apenas substituí-la pelo códice sagrado dos Cristãos. Para mim, qualquer condenação do homossexualismo na Bíblia, seja em que termos for, tem uma validade relativa porque significa apenas o que alguém pensava sobre o assunto naquela época.
Na verdade, fora do âmbito restrito da fé míope, ninguém sabe sequer se Deus existe, quanto mais o que Ele pensa seja sobre o que for. Humildemente, acredito que, se houver alguma coisa para descobrir sobre Deus e a vida, haveremos de o saber por ocasião da nossa morte, momento em que se nos cerrarão os olhos para a paz do nada ou se abrirão para alguma luz reveladora. Até lá devemos, simplesmente, aproveitar a vida e portarmo-nos o melhor possível para com os nossos semelhantes e para com os animais e a natureza. Já é uma razoável concessão aceitar que os Dez Mandamentos possam ter uma eventual origem divina. Mesmo assim, nenhum dos mandamentos diz que “ o homem não sodomizará o seu amigo” ou que “a mulher não procurará o êxtase com a sua amiga”. Na falta de qualquer indicação de que Deus se tenha preocupado com detalhes tão insignificantes, ainda vou elegendo como referência o famoso “Amai-vos uns aos outros” e por isso… vale tudo, desde que seja feito com amor. Não sei mesmo se Deus, na sua infinita sabedoria, não estaria precisamente a pensar nos homossexuais quando ditou este mandamento, nas mais improváveis formas de amor, já que, amar no cio, é bastante mais fácil e de somenos valor.
Embora ideias como a de RB possam ser socialmente alarmantes, no fundo podemos ficar descansados. Apesar das toscas relações que ele estabelece entre homossexualidade e homicídio, estupro, abuso infantil, tortura e alcoolismo, na verdade trata-se de uma doença como outra qualquer e pode ser tratada pela medicina. Pode mesmo conseguir-se a cura espontânea através de um sistema de auto-repressão, de preferência desde a infância. É capaz de ser um bom uso para cilícios e disciplinas, à venda em lojas da especialidade. Sosseguemos pois, no fundo RB não condena a homossexualidade. Pode ser gay à vontade, quem teve o grande azar de nascer assim. Não pode é casar, nem ser activo. Ou passivo, já agora. Popeye9700@yahoo.com
CONSIDERAÇÕES OUTRAS (PARTE III)
HELIODORO TARCÍSIO
Este texto é o contraditório do artigo de Rodrigo Bento (RB) publicado no D.I. de 16 de Dezembro sobre os casamentos homossexuais, Parte II.
Sou heterossexual e os homossexuais da Terceira não me passaram procuração alguma. Todavia, tenho-me envolvido na discussão pública do casamento homossexual por considerar que, embora possa parecer marginal (o que é o casamento do Manel com o Xico à vista da recente calamidade na Agualva…), este é na realidade um assunto com uma enorme carga simbólica. O nosso país gosta de se arvorar em farol do mundo mas, com algumas notáveis excepções, de que é exemplo a abolição da escravatura em 1836, a sociedade portuguesa classificou-se sempre como pouco educada, inculta, ignorante, preconceituosa e avessa a novas ideias. Essa realidade só bem recentemente começou a mudar e de forma assaz lenta. Daí a importância das iniciativas legislativas agora implementadas, que podem contribuir para que o nosso país progrida, não apenas no plano material mas também ao nível intelectual e moral e deixe de se destacar no mundo apenas pelo deficit público, desemprego, falta de qualificação profissional, analfabetismo funcional, iliteracia, intolerância racial, conservadorismo, preguiça, desorganização, 100 soldados no Afeganistão, uma fragata na Somália e a participação nas fases finais dos europeus e mundiais de futebol.
Infelizmente, e lamento muito o que escrevo a seguir, o texto de RB inscreve-se nitidamente na área do fundamentalismo cristão. Num completamente improvável cenário de ficção “orwelliana”, se gente desta mandasse alguma coisa, poderíamos vir a ser algo como a República Cristã de Portugal. Se há dúvidas, basta fazer um pequeno exercício, substituindo duas simples palavras no texto de RB, “Deus” e “Bíblia” por “Alá” e “Corão”. “(…) Temos que descobrir o que Alá pensa sobre o assunto [ homossexualismo]. Como fazê-lo ? Lendo o Corão. Ele é um livro actual que trata temas actuais (…)”. Isto soa a “dejá entendu” ? Pois claro, a mim também.
Todas as religiões têm os seus textos sagrados, de origem divina e transmissão mais ou menos nebulosa, todos igualmente respeitáveis. Confesso que não sou um estudioso da Bíblia mas tenho por esta obra o mesmo respeito que tenho por outros textos semelhantes. Contudo, respeito não significa cretinismo intelectual. No tempo de razão iluminada que ora vivemos, não me parece possível uma pessoa inteligente e com um espírito crítico desenvolvido e independente, interpretar a Bíblia literalmente e menos ainda considerá-la “a palavra de Deus”. Hoje em dia, sabemos que a Bíblia é uma colecção heterogénea de textos escritos ao longo de muitas centenas de anos por largas dezenas de pessoas diferentes. Esses textos, compreensivelmente, reflectem de forma clara, as condições sociais, morais e culturais das épocas e lugares em que foram produzidos. Como se isto não fosse suficiente, por si só, os textos bíblicos são os seleccionados por uma organização de dominação universal como a Igreja Católica, que os proclamou os únicos verdadeiros, em detrimento de outros, que sabemos existirem ou terem existido mas cujo conteúdo poderia ser menos favorável aos desígnios daquela instituição, quiçá, contrariando dogmas fundamentais. Só mentes limitadas e fanatizadas, podem pensar em interpretar radicalmente a Bíblia e especialmente encará-la como a fonte legislativa principal de uma nação. Hoje em dia, isso só acontece nos regimes islâmicos, em comunidades de fundamentalistas bíblicos americanos e, claro, na cabeça de RB.
O que é realmente importante na Bíblia, como código universal de conduta moral, é os Dez Mandamentos e mesmo assim, o texto bíblico original carece de reflexão e adaptação à actualidade, porque, seja qual for a sua proveniência e pese embora a sua universalidade e intemporalidade, percebe-se perfeitamente que foi escrito para a humanidade do tempo de Moisés. Contudo, dificilmente se poderá negar que, se a maior parte das pessoas seguisse os Dez Mandamentos na sua essência mais profunda, o mundo seria bem melhor, com muito menos maldade, orgulho, ambição, inveja, malícia, cobiça e egoísmo.
As pessoas têm de entender e aceitar que o laicismo dos estados modernos é uma conquista fundamental da humanidade e veio para ficar. No mundo civilizado acabaram-se as religiões oficiais. Não acabaram as religiões nem é desejável que acabem, todas elas são importantes e, cada uma a seu modo, prestam o seu contributo na tentativa de explicação da vida, da origem e destino da humanidade e na divulgação e implementação de códigos morais. Católicos, protestantes, evangélicos, muçulmanos, budistas, espíritas, todos nos trazem mensagens importantes e válidas. Mas é fundamental que todas as religiões possam transmitir as suas mensagens num clima de liberdade, abertura e tolerância, atraindo quem tiverem de atrair, sem que nenhuma procure sobrepor-se a outra, clamando ser a única detentora da Verdade. E acima de tudo, devem estar completamente separadas do Estado. Essa é uma das vias mais importantes para acabar com o fanatismo islâmico.
Não era minha intenção escrever um artigo sobre religião mas a verdade é que a maior parte do texto de RB é sobre religião e procura mostrar que Deus condena o homossexualismo, que isso está na Bíblia e que o país, em vez de rever a sua Constituição, deveria apenas substituí-la pelo códice sagrado dos Cristãos. Para mim, qualquer condenação do homossexualismo na Bíblia, seja em que termos for, tem uma validade relativa porque significa apenas o que alguém pensava sobre o assunto naquela época.
Na verdade, fora do âmbito restrito da fé míope, ninguém sabe sequer se Deus existe, quanto mais o que Ele pensa seja sobre o que for. Humildemente, acredito que, se houver alguma coisa para descobrir sobre Deus e a vida, haveremos de o saber por ocasião da nossa morte, momento em que se nos cerrarão os olhos para a paz do nada ou se abrirão para alguma luz reveladora. Até lá devemos, simplesmente, aproveitar a vida e portarmo-nos o melhor possível para com os nossos semelhantes e para com os animais e a natureza. Já é uma razoável concessão aceitar que os Dez Mandamentos possam ter uma eventual origem divina. Mesmo assim, nenhum dos mandamentos diz que “ o homem não sodomizará o seu amigo” ou que “a mulher não procurará o êxtase com a sua amiga”. Na falta de qualquer indicação de que Deus se tenha preocupado com detalhes tão insignificantes, ainda vou elegendo como referência o famoso “Amai-vos uns aos outros” e por isso… vale tudo, desde que seja feito com amor. Não sei mesmo se Deus, na sua infinita sabedoria, não estaria precisamente a pensar nos homossexuais quando ditou este mandamento, nas mais improváveis formas de amor, já que, amar no cio, é bastante mais fácil e de somenos valor.
Embora ideias como a de RB possam ser socialmente alarmantes, no fundo podemos ficar descansados. Apesar das toscas relações que ele estabelece entre homossexualidade e homicídio, estupro, abuso infantil, tortura e alcoolismo, na verdade trata-se de uma doença como outra qualquer e pode ser tratada pela medicina. Pode mesmo conseguir-se a cura espontânea através de um sistema de auto-repressão, de preferência desde a infância. É capaz de ser um bom uso para cilícios e disciplinas, à venda em lojas da especialidade. Sosseguemos pois, no fundo RB não condena a homossexualidade. Pode ser gay à vontade, quem teve o grande azar de nascer assim. Não pode é casar, nem ser activo. Ou passivo, já agora. Popeye9700@yahoo.com
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