No ARION

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No oceano, em 2001, viajando entre a Terceira e S.Vicente (Cabo Verde)

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

EM DEFESA DA INTELIGÊNCIA, TOLERÂNCIA E ABERTURA DE ESPÍRITO


EM DEFESA DA INTELIGÊNCIA, TOLERÂNCIA E ABERTURA DE ESPÍRITO


. Heliodoro Tarcísio

Recentemente, fiz publicar na coluna de Opinião do DI um artigo em que me referia em 90% à Igreja Católica Romana e em 10% ou menos à pessoa do senhor Ramiro Carrola, habitual colunista deste jornal na rara e curiosa vertente do saudosismo nacional-socialista. Realmente foi um artigo desse inspirado pensador que provocou as minhas observações. Por isso mesmo, o meu artigo, a seis colunas, referia quatro vezes o seu nome, a primeira das quais por imperiosa necessidade de contextualização e as restantes a propósito, no desenvolvimento do artigo. No último período do meu texto, realmente sugeri-lhe que “estrebuchasse” mas creio ter sido a única referência eventualmente menos delicada à sua pessoa. Em resposta, o senhor Carrola fez publicar um artigo de opinião no DI, em que o meu nome é directamente referido por dezasseis vezes, abundando ainda as referências indirectas em que sou pitorescamente comparado a diversos animais, por entre outros insultos. Entendo por que razão DI publica este tipo de artigos; além da questão da liberdade de expressão (inexistente no mundo ideal de certas pessoas), acabam por ser verdadeiros textos cómicos que contribuem para quebrar a aridez e monotonia das habituais críticas políticas, económicas e sociais e das notícias sobre novos impostos e acidentes de viação.
Devo dizer que estava à espera precisamente deste tipo de reacção, rasteira e venenosa, que não me surpreendeu. A minha atitude também já estava definida, inscreve-se num plano superior. Não alimentarei polémicas estéreis a este baixo nível. Já o fiz no passado mas com oponentes bem-educados, inteligentes e com ideias interessantes. Neste caso, não vale mesmo a pena. Para os leitores interessados, sugiro a consulta às edições em questão, (Heliodoro Tarcísio, “A Vitimação da Igreja de Roma” in DI de 25/10/2007 e Ramiro Carrola, “A gosma de uma malquerença vesga à Igreja” in DI de 03/11/2007). Uma leitura atenta dos dois artigos permitirá comparar a qualidade de ambos e fazer entender as minhas posições.
Por outro lado, se não cedo ao instinto básico de insultar as pessoas que perfilham ideias das quais discordo fortemente, o mesmo já não se aplica à crítica a essas mesmas ideias. Para mim, o proveito está precisamente nisso, na discussão pública de diferentes perspectivas da vida. Todos podemos ganhar com isso, já que entendo que na vida se aprende até ao fim, pelo menos para quem tem a mente aberta. Vamos lá então à crítica das ideias e deixemos os ataques pessoais para os pobres de espírito.
Parece que na raiz de tudo estão as declarações do príncipe da Igreja e meu prezado homónimo, Tarcísio Bertone, nas comemorações do 80.º aniversário das Aparições de Fátima. Ora, esse é, precisamente, um excelente mote para mim. Uma parte importante do nosso bom povo português, o mesmo que todas as estatísticas declaram, inculto, mal informado, meio analfabeto e inqualificado para quase tudo, acredita piamente que a mãe da personagem histórica Jesus de Nazaré, falecida há 2.000 anos, mais coisa menos coisa, apareceu por aqueles lados no início do séc. XX e transmitiu uns grandes segredos universais a três humildes crianças. Ora, eu tenho fé em algumas coisas invisíveis e até acredito piamente que alguma coisa estranha aconteceu por ali. Mas não sei o quê ao certo e desconfio que ninguém sabe. Contudo, conhecendo eu a ânsia de domínio e poder da Igreja de Roma e a sua capacidade de manipulação das massas ignorantes, estou convicto que a história de Fátima é uma efabulação habilmente aproveitada e alimentada pela igreja católica. E não estou só nas minhas convicções, pois até dentro do universo católico há diversas vozes nesse sentido. Vem um grande mal ao mundo por isso? Se calhar até não, para quem vai a Fátima de alma limpa. Muita coisa positiva já aconteceu porque há almas boas e simples que acreditam em Fátima. Eu participo todos os anos na romaria da Serreta, por prazer e tradição e, apesar de não ser católico, quando chego à igreja, recolho-me uns momentos em meditação, agradecendo (a ninguém em particular) o facto de estar vivo e de saúde, assim como os meus. Faço isso porque entendo que se trata de um momento positivo e, na generalidade, de um espaço e ocasião repletos de energias benignas. E não vale a pena vir dizer que na hora da morte muitos ateus chamam por Nossa Senhora. Isso é um fenómeno natural. Quando chegar a minha hora, se tiver tempo, até posso chamar por cada um dos 400 novos Beatos espanhóis. É que o momento da nossa morte é aborrecido e muito desagradável de passar. Eu adiava, mas tem de ser.
Convém esclarecer que não “babo um ódio mesquinho” pela Igreja Católica. Babo-me por outras coisas bem mais interessantes. Chocolate, mulheres bonitas, uma boa conversa com amigos, um copo de Mateus Rosê, uma velejada no meu barco, um bom filme, um pôr-do-sol, não necessariamente por esta ordem. Até agora ainda não odiei nada nem ninguém na vida. Só não gosto da Igreja Católica Romana, enquanto instituição. Não odeio nenhum dos seus membros em particular, bispo paramentado, padre pregador, humilde sacristão ou simples crente. A maior parte dos meus familiares e amigos é católica e sou até amigo de um padre, que já velejou comigo até à Graciosa e se ele não for para o Céu, garanto que não é por culpa minha. Não sou pessoa de ódios, sou mais de amores, bastantes.
Confesso a minha perplexidade perante alguém que pretende intervir na sociedade em que vive, fazendo publicar artigos de opinião nos jornais de maior circulação e candidamente confessa que só lê o editorial, os títulos e a programação da TV. Todos os outros articulistas não alinham três palavras seguidas, são sabujos do poder democrático, repetitivos e monótonos. Isso é estreiteza de vistas. Raquitismo intelectual. Sobranceria injustificada. Ignorância inconsciente. Neste caso, se a pretensão for ler artigos com o mesmo conteúdo ideológico, não vai ser fácil, vai acabar a ler a lista das farmácias de serviço ou o horário do movimento aéreo. É que já não é fácil encontrar saudosistas do regime fascista português, a não ser nas fileiras dos grupos neo-nazis e de extrema-direita. É uma espécie em vias de extinção. Mas ainda estrebucham. Por aqui e por ali, por Santa Comba Dão e pela ilha Terceira.
Não é meu hábito cair em contradições, muito menos primárias. Para me acusar disso, é preciso ter capacidade intelectual para o demonstrar. Isso não aconteceu de modo nenhum. Afirmo e repito que a igreja católica portuguesa tem por detrás de si todo o (ainda) imenso poder do estado do Vaticano, todas as possibilidades de comunicação do mundo actual e uma presença histórica ainda muito profunda na nossa sociedade, a diversos níveis; apesar desses factos (e a palavra-chave aqui é mesmo “apesar”) está em clara e contínua decadência, com graves e crescentes problemas financeiros, com os cultos cada vez mais desertificados, sem novas vocações nos seminários e conventos. O folclore de Fátima vai disfarçando a crise mas não a resolve. Se alguém tem argumentos que provem o contrario, aqui estou eu para humildemente aceitar quaisquer evidências.
Este percurso descendente tem com certeza várias justificações, como fenómeno complexo que é. Não tenho a pretensão de os entender todos e completamente. Encontro factores de ordem universal e civilizacional: as pessoas, em sentido lato, são agora mais inteligentes, mais cultas, mais informadas e mais abertas. Já não se ficam pelas prédicas do padre lá da paróquia e pelo que decoraram na catequese da infância. Sabem que na vida há muitos mistérios e que ninguém tem a chave deles, muitos perceberam que o Papa tem basicamente as chaves dos cofres do Vaticano. As pessoas questionam-se, duvidam, estudam, pensam, divagam, informam-se, lêem, viajam, são curiosas, apercebem-se do relativismo da “verdade” e os seus interesses diversificam-se. Cada vez há menos livros sagrados. Sagrada é a vida, sagrado é o amor. Esse amor, universal e incondicional, tão afastado da igreja dos purpúreos cardeais. Acusa-se as pessoas de um exagerado materialismo. Não deixa de ser verdade, parece-me que a civilização cristã passou por um período de desnorte, perante a falência da igreja católica, a ausência de explicações credíveis sobre os mistérios da vida e da morte e a incapacidade de encontrar a felicidade terrena perante tantos problemas materiais e tanta miséria e instabilidade. Mas, por outro lado, também me parece que, nesta Era de Aquário, que agora iniciamos, há um leve mas bem perceptível movimento de interesse pela metafísica, pelo sobrenatural, pelo esotérico que, mais que uma moda passageira, se traduz no aparecimento de muitas novas religiões, no retomar de antigas crenças e filosofias que, tantas delas, foram esmagadas e rudemente reprimidas por uma igreja católica, que se julgava detentora da verdade única e universal, tantas vezes imposta a ferro e fogo.
E quanto ao que alguns chamam de “estafados chavões”, acredito que na verdade constituem alguns dos motivos bem específicos para o crescente insucesso da igreja católica. Esta defende-se dizendo que não pode colocar em causa os pilares da sua fé. Mas na verdade, sem querer entrar em questões teológicas profundas, para as quais não me sinto qualificado, uma boa parte desses ditames nem encontra suporte nos livros sagrados dos cristãos; são normas e regras, criadas há muitas centenas de anos por uma igreja de homens, misóginos, fanáticos e sedentos de domínio e poder. Tenho muita vontade de debater publicamente estas questões mas, para não ir mais longe hoje, direi apenas que, no mundo de hoje, teimar em ignorar a inteligência, a força, a sensibilidade, a profundidade a influência e os direitos básicos das mulheres como iguais dos homens é, acima de tudo, um acto de profunda e persistente estupidez. Cuja responsabilidade radica em grande parte em “figuras de elevada craveira moral e intelectual” como os chefes da igreja católica, mais conhecidos por Papas.
Para terminar, o Sr. Carrola diz que recebe uns emails “canalhas e cobardes” (sic…). Talvez ele possa partilhar esses textos connosco. Acontece que eu também recebo uns emails. Hoje vou partilhar aqui excertos de um deles, com a devida autorização do seu autor, alguém que conheço mal e apenas no campo profissional: “(…) permita-me a liberdade de lhe enviar esta mensagem por email, para o felicitar pelo artigo, de uma qualidade e importância excepcionais, publicado ontem no DI, sobre a Igreja de Roma (…) É para mim do melhor e mais importante que tenho lido nos jornais – todos os que leio com regularidade – em muito tempo”.

popeye9700@yahoo.com

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