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“INGLORIOUS BASTARDS” – UM FELIZ RECONTO DA HISTÓRIA
HELIODORO TARCÍSIO
Nota do autor: Este texto foi escrito antes da Noite dos Óscares de Hollywood. Impõe-se este esclarecimento porque, desde essa noite, Cristoph Waltz, oscarizado como Melhor Actor Secundário, deixou de ser um ilustre desconhecido
Cinéfilo desde sempre, quando era criança, poupava os tostões toda a semana para, no fim de semana, poder assistir a várias sessões duplas (2 pelo preço de 1), no Teatro Angrense, Recreio dos Artistas ou Fanfarra Operária. Era meu companheiro dessas andanças um amigo de infância, ainda residente em Angra mas ele agora é uma pessoa importante e acredito que já não se lembre destas coisas…Lembranças do passado, o Teatro Angrense vestiu-se de um suave cor de rosa mas vive de portas fechadas, a Fanfarra Operária vive de cerveja importada e DJ’s de agulha na ponta do dedo e a Recreio, não sei de que vive nem se vive.
Nesta era de videoclubes e descarregamentos da Internet, mantenho o saudável hábito de ir ao cinema quase todas as semanas, normalmente à segunda-feira. É diferente de ficar em casa, há um je ne quois nas casas de cinema, o grande écran, o leão que ainda ruge como dantes nas fitas da Castelo Lopes e a gente fica ali, juntinhos no escuro, irmanados na mesma devoção, vivendo as mesmas emoções, sem poder atender o telemóvel, com a vista configurada para Technicolor e regulada para Cinemascope.
Recentemente, dirigi-me para a bilheteira do Centro Cultural de Angra (e de Congressos também) para tentar ver o afamado “Avatar” no seu último dia de exibição. Foi semana de mudança de casa para mim e distraí-me. Além disso, costumo fugir dos filmes que toda a gente vê porque me incomoda todo aquele frenesim de quem raramente vai ao cinema e depois manda um amigo da malta comprar 10 bilhetes para a malta ver um certo filme porque “diz que é muito giro”, “é de mijar a rir” (ou a tremer de medo) e “um amigo meu baixou da Internet e diz que vale a pena”. Para mim, que vejo tudo o que se mexe, desde “Lara Croft”, até a um filme russo, a preto e branco, da década de 30, no fundo, tudo vale a pena. Na verdade, apresentei dois exemplos com um traço em comum e raríssimo num bom maníaco de cinema: saí em ambos ao intervalo, em “Lara Croft” porque não passava de um jogo de computador e disso não gosto e, no caso do filme russo, porque não aguentei mais de 45 minutos a ver a o vento a uivar nas estepes siberianas e pouco mais; fiquei com frio e vim-me embora. Só tomei essa atitude uma outra vez, durante a exibição de uma das sequelas de “Batman”. Toda a gente sabe como é difícil seguir o voo de um morcego e o meu cérebro simplesmente colapsou…
No tal dia, esperei meia hora naquela que deve ser uma das piores filas do mundo, lá no Centro Cultural, pelo menos no Inverno. O local é frio, ventoso e a bilheteira do CC é terrivelmente lenta. Que saudades do tempo dos maços de bilhetes pré-impressos. Não vejo necessidade nenhuma de imprimir bilhetes mas isso fica para outra vez. Fui para lá meia hora antes de abrir a bilheteira e era o 6.º da fila. A espera foi em vão porque só restavam 3 ou 4 bilhetes, os outros tinham sido vendidos na véspera. Traição, os lugares tinham sido todos ocupados pelo tal pessoal “dos filmes que toda a gente vê”. A minha história com o “Avatar” fica por agora em banho-maria. Hei-de vê-lo quando aparecer nos videoclubes e ponto final.
Frustrado e enregelado, lembrei-me que há alternativa para tudo, menos para a morte. E lá fui até ao “Charlot” de que também sou cliente antigo (n.º 2000). Em boa hora o fiz. Deparei lá com um filme que passou imediatamente para o meu Top Ten pessoal. Trata-se de uma obra de 2009, “Inglorious Bastards”, de Quentin Tarantino, cujo título em Portugal, numa tradução bastante livre, é “Sacanas Sem Lei”. A propósito, nunca descobri quem titula os filmes em Portugal , esse é um segredo bem guardado, talvez por vergonha dos responsáveis. Bom, voltando ao filme, a história passa-se na II Grande Guerra, na França ocupada pelos nazis e anda à volta de uma mocinha judia que escapa ao massacre de toda a família, sumariamente ordenado por um coronel das SS e que, sob falsa identidade, vem a herdar pouco depois um cinema parisiense. O destino coloca-lhe nas mãos uma oportunidade de vingança, que ela não enjeita mas que cujo desfecho está cheio de imprevistos.
Os papeis principais estão entregues a Brad Pitt, muito bem no papel de um tenente americano, a uma desconhecida Mélanie Laurent (a mocinha judia) e a outro desconhecido, Cristoph Waltz que, no papel do coronel nazi tem um desempenho brilhante e a todos os títulos notável.
O filme foge às classificações padronizadas. Não é um filme de guerra, o sistema chamou-lhe drama. Não me parece que seja exatamente uma coisa ou outra, apesar de conter bastante violência e momentos intensamente dramáticos. É sobretudo uma obra de ficção, com uma alternativa histórica, contada a maior parte do tempo num registo de comédia negra, para o qual contribuem a pronúncia sulista carregadíssima e o permanente sorrisinho idiota do tenente Aldo Reine, a aura de vilão demasiado perfeito e autenticamente refinado do coronel Hans Landa, a virginal candura de Shoshanna, a novidade dos infiltrados judeus (os tais sacanas sem lei – cuja realidade histórica desconheço), a personalidade quase histriónica da figura de Hitler e o clima quase burlesco de algumas das cenas mais violentas (assassinato do sargento nazi com um taco de basebol e a o massacre final no cinema, por exemplo).
Bom, quase chorei de júbilo e regozijo, em diversos trechos do filme. Cansado de ver filmes em que os nazis massacram judeus aos milhares, foi com imensa alegria que assisti a um filme em que se matam nazis de forma merecidamente violenta, a um ritmo alucinante e com técnicas requintadas. O clímax, como não podia deixar de ser, acontece perto do final, quando o “creme da la creme” do regime nazi, Hitler incluído, assim como Goering, Goebbels, Borman, etc, a cambada toda, se reúne num cinema da Paris ocupada para assistir a um filme de propaganda do regime, em que um sniper alemão, elevado a herói de guerra, emboscado numa torre de igreja, mata 300 soldados americanos. No âmbito do plano de vingança de Shoshanna, acidentalmente misturado com uma acção dos tais indómitos sacanas, as portas do cinema são trancadas e o amante de Shoshanna incendeia uma enorme pilha de fita de celulóide por detrás do écran. Depois, bom, depois é a apoteose, com os nazis e as suas esposas e meninas a tentar desesperadamente fugir às chamas, enquanto dois sacanas sem lei, do alto de um camarote, lhes despejam balas certeiras em cima. No melhor e mais delicioso momento, Goebbels, a sua petite amie francesa e o próprio Hitler, surpreendidos no camarote de honra, levam vários balázios na testa.
Nunca uma falsidade foi tão sublime. A felicidade que sentimos no fim deste filme só diminui quando, passada a excitação, caímos em nós e nos lembramos que a História não aconteceu assim. Que pena sinto. Mas, tendo em conta que o único nazi bom é o nazi morto, a ideia não deixa de poder ser retomada, com proveito, para resolver a “questão neonazi”… Lembrei-me até do Teatro Angrense que está ali ás moscas… Só seria pena o belo revestimento rosa mas, enfim, não nos dizem que vivemos numa época de sacrifícios…?
POPEYE9700@YAHOO.COM
HELIODORO TARCÍSIO
Nota do autor: Este texto foi escrito antes da Noite dos Óscares de Hollywood. Impõe-se este esclarecimento porque, desde essa noite, Cristoph Waltz, oscarizado como Melhor Actor Secundário, deixou de ser um ilustre desconhecido
Cinéfilo desde sempre, quando era criança, poupava os tostões toda a semana para, no fim de semana, poder assistir a várias sessões duplas (2 pelo preço de 1), no Teatro Angrense, Recreio dos Artistas ou Fanfarra Operária. Era meu companheiro dessas andanças um amigo de infância, ainda residente em Angra mas ele agora é uma pessoa importante e acredito que já não se lembre destas coisas…Lembranças do passado, o Teatro Angrense vestiu-se de um suave cor de rosa mas vive de portas fechadas, a Fanfarra Operária vive de cerveja importada e DJ’s de agulha na ponta do dedo e a Recreio, não sei de que vive nem se vive.
Nesta era de videoclubes e descarregamentos da Internet, mantenho o saudável hábito de ir ao cinema quase todas as semanas, normalmente à segunda-feira. É diferente de ficar em casa, há um je ne quois nas casas de cinema, o grande écran, o leão que ainda ruge como dantes nas fitas da Castelo Lopes e a gente fica ali, juntinhos no escuro, irmanados na mesma devoção, vivendo as mesmas emoções, sem poder atender o telemóvel, com a vista configurada para Technicolor e regulada para Cinemascope.
Recentemente, dirigi-me para a bilheteira do Centro Cultural de Angra (e de Congressos também) para tentar ver o afamado “Avatar” no seu último dia de exibição. Foi semana de mudança de casa para mim e distraí-me. Além disso, costumo fugir dos filmes que toda a gente vê porque me incomoda todo aquele frenesim de quem raramente vai ao cinema e depois manda um amigo da malta comprar 10 bilhetes para a malta ver um certo filme porque “diz que é muito giro”, “é de mijar a rir” (ou a tremer de medo) e “um amigo meu baixou da Internet e diz que vale a pena”. Para mim, que vejo tudo o que se mexe, desde “Lara Croft”, até a um filme russo, a preto e branco, da década de 30, no fundo, tudo vale a pena. Na verdade, apresentei dois exemplos com um traço em comum e raríssimo num bom maníaco de cinema: saí em ambos ao intervalo, em “Lara Croft” porque não passava de um jogo de computador e disso não gosto e, no caso do filme russo, porque não aguentei mais de 45 minutos a ver a o vento a uivar nas estepes siberianas e pouco mais; fiquei com frio e vim-me embora. Só tomei essa atitude uma outra vez, durante a exibição de uma das sequelas de “Batman”. Toda a gente sabe como é difícil seguir o voo de um morcego e o meu cérebro simplesmente colapsou…
No tal dia, esperei meia hora naquela que deve ser uma das piores filas do mundo, lá no Centro Cultural, pelo menos no Inverno. O local é frio, ventoso e a bilheteira do CC é terrivelmente lenta. Que saudades do tempo dos maços de bilhetes pré-impressos. Não vejo necessidade nenhuma de imprimir bilhetes mas isso fica para outra vez. Fui para lá meia hora antes de abrir a bilheteira e era o 6.º da fila. A espera foi em vão porque só restavam 3 ou 4 bilhetes, os outros tinham sido vendidos na véspera. Traição, os lugares tinham sido todos ocupados pelo tal pessoal “dos filmes que toda a gente vê”. A minha história com o “Avatar” fica por agora em banho-maria. Hei-de vê-lo quando aparecer nos videoclubes e ponto final.
Frustrado e enregelado, lembrei-me que há alternativa para tudo, menos para a morte. E lá fui até ao “Charlot” de que também sou cliente antigo (n.º 2000). Em boa hora o fiz. Deparei lá com um filme que passou imediatamente para o meu Top Ten pessoal. Trata-se de uma obra de 2009, “Inglorious Bastards”, de Quentin Tarantino, cujo título em Portugal, numa tradução bastante livre, é “Sacanas Sem Lei”. A propósito, nunca descobri quem titula os filmes em Portugal , esse é um segredo bem guardado, talvez por vergonha dos responsáveis. Bom, voltando ao filme, a história passa-se na II Grande Guerra, na França ocupada pelos nazis e anda à volta de uma mocinha judia que escapa ao massacre de toda a família, sumariamente ordenado por um coronel das SS e que, sob falsa identidade, vem a herdar pouco depois um cinema parisiense. O destino coloca-lhe nas mãos uma oportunidade de vingança, que ela não enjeita mas que cujo desfecho está cheio de imprevistos.
Os papeis principais estão entregues a Brad Pitt, muito bem no papel de um tenente americano, a uma desconhecida Mélanie Laurent (a mocinha judia) e a outro desconhecido, Cristoph Waltz que, no papel do coronel nazi tem um desempenho brilhante e a todos os títulos notável.
O filme foge às classificações padronizadas. Não é um filme de guerra, o sistema chamou-lhe drama. Não me parece que seja exatamente uma coisa ou outra, apesar de conter bastante violência e momentos intensamente dramáticos. É sobretudo uma obra de ficção, com uma alternativa histórica, contada a maior parte do tempo num registo de comédia negra, para o qual contribuem a pronúncia sulista carregadíssima e o permanente sorrisinho idiota do tenente Aldo Reine, a aura de vilão demasiado perfeito e autenticamente refinado do coronel Hans Landa, a virginal candura de Shoshanna, a novidade dos infiltrados judeus (os tais sacanas sem lei – cuja realidade histórica desconheço), a personalidade quase histriónica da figura de Hitler e o clima quase burlesco de algumas das cenas mais violentas (assassinato do sargento nazi com um taco de basebol e a o massacre final no cinema, por exemplo).
Bom, quase chorei de júbilo e regozijo, em diversos trechos do filme. Cansado de ver filmes em que os nazis massacram judeus aos milhares, foi com imensa alegria que assisti a um filme em que se matam nazis de forma merecidamente violenta, a um ritmo alucinante e com técnicas requintadas. O clímax, como não podia deixar de ser, acontece perto do final, quando o “creme da la creme” do regime nazi, Hitler incluído, assim como Goering, Goebbels, Borman, etc, a cambada toda, se reúne num cinema da Paris ocupada para assistir a um filme de propaganda do regime, em que um sniper alemão, elevado a herói de guerra, emboscado numa torre de igreja, mata 300 soldados americanos. No âmbito do plano de vingança de Shoshanna, acidentalmente misturado com uma acção dos tais indómitos sacanas, as portas do cinema são trancadas e o amante de Shoshanna incendeia uma enorme pilha de fita de celulóide por detrás do écran. Depois, bom, depois é a apoteose, com os nazis e as suas esposas e meninas a tentar desesperadamente fugir às chamas, enquanto dois sacanas sem lei, do alto de um camarote, lhes despejam balas certeiras em cima. No melhor e mais delicioso momento, Goebbels, a sua petite amie francesa e o próprio Hitler, surpreendidos no camarote de honra, levam vários balázios na testa.
Nunca uma falsidade foi tão sublime. A felicidade que sentimos no fim deste filme só diminui quando, passada a excitação, caímos em nós e nos lembramos que a História não aconteceu assim. Que pena sinto. Mas, tendo em conta que o único nazi bom é o nazi morto, a ideia não deixa de poder ser retomada, com proveito, para resolver a “questão neonazi”… Lembrei-me até do Teatro Angrense que está ali ás moscas… Só seria pena o belo revestimento rosa mas, enfim, não nos dizem que vivemos numa época de sacrifícios…?
POPEYE9700@YAHOO.COM
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