No ARION

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No oceano, em 2001, viajando entre a Terceira e S.Vicente (Cabo Verde)

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

SANJOANINAS 2006 – REFLEXÃO CRÍTICA

SANJOANINAS 2006 – REFLEXÃO CRÍTICA




. Heliodoro Tarcísio


Diz a sabedoria popular que o ferro se malha enquanto está quente… Com efeito, não faria sentido falar das festas meses depois; agora é que é altura de fazer o balanço e emitir opiniões. Como cidadão angrense e apreciador destas festas, pretendo deixar aqui a minha reflexão crítica, entendida tanto como um contributo para a sua imprescindível avaliação como o exercício do meu direito de livre expressão.
Quero começar por expressar publicamente o meu apreço pelas mulheres e homens que constituíram o corpo de voluntários para as Sanjoaninas deste ano. Sobretudo porque eu nunca quis fazer parte desse grupo; fui convidado num ano e declinei o convite, embora tenha providenciado no sentido de arranjar alguém que pudesse fazer o mesmo trabalho. Confesso que Sanjoaninas para mim significa diversão e não trabalho. Daí não hesitar em louvar as pessoas que dispõem do seu tempo e das suas energias em prol da comunidade, para que os outros se divirtam. Isso não significa todavia, que não possa participar no movimento de reflexão crítica que me parece estar a ocorrer neste momento. Creio até que essa será uma das vias que podem ajudar as Festas a evoluir e a ultrapassar certas dificuldades.
Pelo que tenho lido e ouvido, parece ser consenso geral que as Festas deste ano foram muito fracas. Partilho dessa opinião geral e isso preocupa-me, até porque considero que a qualidade das Festas tem vindo a diminuir de ano para ano, embora isso tenha sido um pouco disfarçado em 2005, devido, sobretudo, à novidade da transposição dos núcleos de acção principal para a renovada beira-mar angrense.
Este ano haverá razões conjunturais que ajudem a explicar o pior desempenho; vivemos uma crise económica profunda e consequentemente há menos disponibilidade de fundos, quer para a organização, quer para os cidadãos. Essa é uma dura realidade, provavelmente as coisas ainda vão piorar mais antes de melhorarem (essa é uma espécie de Lei de Murphy…) e quanto a isso nenhum de nós, individualmente, poderá fazer seja o que for.
Mas parece-me uma avaliação apressada e fácil, fazer recair todas as culpas sobre a actual conjuntura. Há questões de fundo que já têm vindo a ser afloradas nos últimos anos e para as quais começa a ser urgente encontrar soluções de compromisso e consenso. Não vou fazer uma análise exaustiva, vou limitar-me apenas a opinar sobre aquilo que considero mais importante:
- A Comissão – para quem assiste às Festas há muitos anos torna-se notório que as coisas são organizadas sempre da mesma maneira, pelo mesmo grupo de pessoas; que me desculpem, vou ser sincero, a Comissão tem vindo a parecer-me um feudo bastante fechado, auto-reprodutivo, reduzida há muitos anos sempre ao mesmo grupo básico que vai realizando algumas admissões controladas, ao nível de praticantes que, consoante o seu desempenho e qualidade demonstrada, podem um dia almejar o cargo máximo, o de Presidente. Talvez por isso mesmo seja evidente a falta de inovação e a dificuldade em encontrar soluções para velhos e novos problemas. Sei que deve ser difícil integrar outras pessoas, numa terra como a nossa, onde não há muita gente e há menos ainda com valor, ideias e espírito de sacrifício. Mas esta parece-me uma questão básica. Considero, contudo, que nunca será possível e provavelmente desejável, prescindir completamente de um corpo de voluntários locais; mas ao nível da direcção e em determinados sectores, nomeadamente a gestão financeira, a gastronomia e a componente musical, penso que é tempo de chamar profissionais e acabar com o amadorismo, que já não consegue inovar nem gerir convenientemente cada projecto anual.
- O Bailão – O recinto do Bailão, sobretudo ao longo da década de 90, foi-se tornando, com prós e contras como tudo nesta vida, o centro da festa. Sejamos claros: pode-se fazer muitos desfiles, exposições, cortejos etnográficos, carros alegóricos, etc, tudo isso está muito bem e deve continuar, embora procurando inovar e variar, para não cair na monotonia. Devemos tentar manter e mostrar a nossa cultura e tradições. O facto disso dever acontecer como reflexo de uma atitude organizada e sistemática e não de forma artificial e esporádica no âmbito das festas, é outra história e não cabe no teor deste artigo. Mas, dê-se as voltas que se quiser dar à questão, retire-se a comida, a bebida e a música e a festa morre. Esta ou qualquer outra. É tão simples como isso. É assim no Carnaval do Rio de Janeiro, no Mardi Gras de New Orleans, no Reveillon do Funchal ou em qualquer festival de Verão. Comida saborosa todos precisamos e apreciamos, sem música não há animação e álcool é a droga oficial da nossa civilização; consumida moderadamente anima, desinibe e promove a boa disposição; consumida exageradamente, pode ter consequências terríveis… Mas a Festa é e deve ser o reflexo do que estamos a fazer da nossa sociedade e não uma ocasião para moralizar. O Bailão foi sempre isso, o centro nevrálgico para a comida,a bebida e a música. Isso aconteceu de forma natural, por se tratar do único espaço no centro da cidade com aquelas características, bem localizado, amplo, disponível, de fácil acesso, com qualidades acústicas, um anfiteatro natural, enfim, perfeito, não fosse um pequeno detalhe: tem moradores à volta, alguns dos quais não partilham da febre das Festas e clamam pelo seu direito ao descanso. Tenho uma posição diferente da dos moradores e nem é por ser estranho ao meio porque a minha mãe é actualmente moradora do Bailão. Todavia, entendo os seus protestos, estou ciente dos seus direitos e penso que devem ser encontradas soluções de compromisso. Como há um choque frontal e inequívoco entre os interesses da cidade neste período e os direitos fundamentais dos moradores e como não é possível ir fazer concertos para a Caldeira do Guilherme Moniz nem ninguém decerto defenderá a instauração de uma Lei Seca, há que dialogar para encontrar consensos, convindo no entanto partir para o diálogo com a convicção de que será essencial usar da tolerância e bom senso e estar preparado para fazer cedências de parte a parte. Não vamos imitar as reuniões ridículas entre os Sindicatos e o Governo. Entendo que a solução do espaço do Relvão (já lá vamos…) encontrada pela Comissão deste ano, foi uma tentativa bem intencionada mas pouco inteligente de desviar um determinado tipo de animação do recinto do Bailão. A minha posição a este respeito é clara: penso que devemos manter o Bailão como centro da animação nocturna das Festas, mas instaurando determinadas regras que irão contribuir para diminuir certos excessos; por exemplo, não vejo mal nenhum em que as pessoas se divirtam até de manhã nas noites de fim de semana mas já acho pouco saudável que seja assim durante 10 dias seguidos. Então, eu proporia o seguinte à Comissão de Moradores do Bailão: o recinto seria o centro da animação sem limites artificiais nas noites de sexta-feira e sábado e na noite de S. João. Suportar o barulho nessas noites seria o pequeno contributo anual dos moradores para a animação das Festas. Deve haver tantos bares, tascas e tasquinhas quanto o recinto comportar e devem oferecer abundância de comida e álcool, sem hora para fechar. A animação espontânea deve ser tolerada e até fomentada, dentro dos limites razoáveis. Nos restantes dias seguir-se-ia o modelo deste ano, que me pareceu inteligente e equilibrado,os concertos começam mais cedo e estão associados à oferta de álcool; aí então sim, acabando os concertos, os bares devem fechar no espaço de meia hora e toda a gente deve respeitar essas regras, nem que seja à força. Resumindo, penso que devemos aproveitar as potencialidades do Bailão, até porque considero que não temos massa humana suficiente para espalhar a animação pela cidade toda, além de que há moradores em todo o lado. Fazer do Bailão uma espécie de quermesse com iluminação é o princípio do fim da festa. Deixemos as cruzadas moralistas para o George Bush.
- O Relvão – como já afirmei, a criação do recinto do Relvão foi uma tentativa de desviar um particular tipo de animação do Bailão. A animação associada às Raves ou Dance Music Parties, à juventude, ao álcool e ao consumo de substâncias tóxicas. Foi um erro porque resultou na criação de uma espécie de gueto. A mensagem era clara: se a tua ideia de animação é fazer uma directa, balançando o corpo ritmicamente ao som de música monótona, ingerir quantidades absurdas de álcool e consumir tóxicos ilegais, então vai até ao Relvão. E eles foram, claro. Há muitos erros de perspectiva envolvidos nesta decisão e convém dissecá-los: achar que o Bailão não deve ser o centro da animação nocturna, facto que já critiquei acima; achar que as pessoas se devem divertir em separado, os teenagers com os teenagers, os de 30 com os de 30, os velhinhos em casa e assim por diante; achar que os jovens se podem embebedar e drogar á vontade, desde que convenientemente longe das vistas públicas; achar que tem de se fazer Raves todos os dias das Festas; achar que uma Dance Music Party só pode ser feita por Dj’s que só gostam de ritmos House. Para concluir esta parte, penso que deve haver animação musical pós-concerto e pela noite fora no Bailão, nas noites de fim-de-semana e de S. João, com bandas ou Dj’s , tentando variar e inovar a nível de suportes musicais (por favor só House e Hip Hop não… - há os ritmos africanos, latinos, caribenhos, de fusão, etc…).
- Música – Eis que chegámos a uma das questões fundamentais. Os concertos constituem uma área vital para a Festa. Neste campo em particular não é possível fugir à comparação com as Festas da Praia da Vitória. Estas têm-se revestido de grande qualidade nos últimos anos e há muito que ultrapassaram as Sanjoaninas. É perfeitamente visível que há um grupo de pessoas na Praia da Vitória, ligadas à componente da selecção musical que tem uma série de qualidades essenciais para quem se quer meter nestas coisas… Bom gosto, conhecimentos musicais, contactos e muitas relações com o meio nacional e internacional. Embora com falhas porque nada é perfeito e por vezes com falta de receptividade por parte de um público inculto e pouco receptivo, tem sido uma delícia assistir nos últimos anos à selecção musical da Comissão das Festas da Praia da Vitória. A este nível, considero que temos vindo a viver um progressivo declínio nas Sanjoaninas e a edição de 2006 é um bom exemplo disso. Ao contrário do que disse o Sr. Presidente da Câmara Municipal em recente entrevista ao DI, penso que não só não houve grande qualidade em termos de selecção, como o alinhamento dos concertos também foi infeliz. Além de que agora deu-lhes para contratar “pimbas”. Penso que os músicos “pimba” têm o seu lugar natural em festas menores como no Porto Judeu, em S. Mateus, nos Biscoitos, etc (isto se os quiserem lá, claro…) e não tem qualidade para palcos das Sanjoaninas. Relativamente à edição deste ano, contesto a contratação do Emanuel que, podendo ou não ser uma excelente pessoa (até o considero um tipo simpático…) tem uma produção musical medíocre, a um nível perfeitamente menor. Penso que o Paulo Gonzo não tem feito nada de relevante e já cá veio muitas vezes. Os Xutos são os Xutos, uma banda emblemática e histórica, vale sempre a pena ver mas de semana não, teria sido uma excelente opção para o último Sábado, por exemplo, até porque o concerto deles foi ótimo e muito animado. A banda cubana (??) Orishas tem qualidade mas estão longe de ser um nome sonante e o som que produzem enquadra-se na área da fusão com um forte acento Hip Hop, que acaba por estar sempre presente e determina um registo pouco variado e algo monótono; além disso, o alinhamento de um som basicamente Hip Hop e de um som Rap para os últimos dois concertos, parece-me bastante discutível. Queriam uma coisa cubana mesmo ?? Então recordem-se do Septeto Habanero, a incrível banda de avôzinhos cubanos que tocou na Praia da Vitória há alguns anos, com o Vitorino… Recordem-se e aprendam…E para a noite de S.João, não sobrou dinheiro nem para uma dessas bandazinhas brasileiras que por aí pululam ?! A escolha do Porfírio para animar o recinto do Bailão parece-me muito desacertada… O Porfírio é dono de uma excelente voz e é tudo; não é um músico, não tem uma banda, nem tem sequer apetência para o palco, não produz um show; ter o Porfírio ou ter música gravada é sensivelmente o mesmo. Ali deve estar uma banda, como tantas vezes já aconteceu, capaz de produzir um espectáculo, animando o ambiente, quer pelo tipo de música, quer pela actuação em palco. E não há aqui qualquer antipatia da minha parte pelos músicos locais, os velhinhos, locais e extintos “Coches” cumpriram perfeitamente essa missão na época em que foram capazes de o fazer. Finalmente, quanto aos Boss AC, quer pelo tipo de musica, quer pelo facto de ser o último concerto, penso que foi uma má escolha, para um dia em que era habitual contarmos com excelentes concertos de grandes nomes portugueses ou brasileiros. Eles teriam estado bem durante a semana, por troca com os Xutos, por exemplo.
Resumindo, pode ter faltado fundos mas faltou também imaginação, qualidade, contactos, conhecimentos, iniciativa, inovação, tudo aquilo que temos visto na Praia da Vitória nos últimos anos. No campo da animação musical, é urgentíssimo e absolutamente essencial renovar ao nível da Comissão. Não nos dêem mais disto por favor, pelo menos se quiserem continuar a designar estas Festas como as maiores profanas dos Açores. Parece-me bem que esse lugar já pertence neste momento, por direito próprio, à Praia da Vitória e nós temos é que lutar para recuperar o ceptro. De preferência com outras pessoas.
- Gastronomia – É outra área incontornável. As pessoas gostam de comer bem nestes dias, é mais fácil divertirmo-nos de barriguinha cheia. E gostam de comer coisas diferentes. Talvez venha daí o sucesso da Feira Gastronómica na Praia da Vitória. Daí e da qualidade e variedade do produto oferecido, da nítida higiene, do bom aspecto geral do ambiente e da localização muito privilegiada. Confesso que considero esta questão uma das mais difíceis de resolver e inovar nas Sanjoaninas. Acho que deveria haver uma equipa a trabalhar só nesta área, de preferência incluindo profissionais. Não podemos nem devemos copiar a Feira Gastronómica da Praia da Vitória; a ideia foi deles, foi excelente, tem um grande sucesso e só nos resta aplaudir com fair-play e ir lá comer em Agosto porque essa Festa também é de todos nós. De um modo geral as pessoas acham as grandes tascas das Sanjoaninas muito caras e com uma baixa qualidade. Tenho ouvido falar de várias soluções e até mesmo já se defendeu a hipótese de se acabar pura e simplesmente com as grandes tascas e de remeter as pessoas para os restaurantes da cidade. Na minha opinião isso seria um erro; pretende-se ter as pessoas concentradas no centro da cidade e aí não há assim tantos restaurantes e os que existem não tem grande capacidade. Além disso, as tascas têm um ambiente e uma animação próprias que não são reproduzíveis num restaurante. No entanto, sou muito pelas soluções híbridas, de compromisso. Porque não pensar em entregar a exploração das tascas grandes a profissionais de restauração, em vez de grupos de cidadãos com maior ou menor jeito para o ofício ? Assim haveria, provavelmente, uma maior garantia de qualidade e higiene. E talvez os preços fossem também mais comedidos, uma vez que não se trataria de cidadãos comuns que só se metem naquilo para ganhar muito dinheiro, não valendo a pena de outra forma. Também não tenho mais ideias nesta área, lamento; resumindo, penso que devemos continuar a ter tascas, no Bailão, mas exploradas de outra maneira, por outras pessoas, independentemente de todas as outras tasquinhas e barracas que possam surgir espontaneamente pela cidade.
- Feira Taurina de S. João – A nossa Feira Taurina tem crescido em qualidade e importância, já tem neste momento projecção a nível internacional e constitui um dos ex-libris das Festas. Evidentemente, assim deve continuar. No entanto, dizem-me que muito dinheiro do orçamento das Festas vai para a Feira Taurina, restando cada vez menos para, por exemplo, os concertos. Mas algo não está bem contado aí, uma vez que sempre tivemos uma feira taurina de qualidade e simultaneamente bons concertos. Então porquê essa assimetria de custos agora ? Penso que a Feira Taurina deve estar incluída no programa das Sanjoaninas mas cada vez mais deve ter uma produção própria, até porque é um espectáculo pago e não é barato e inscreve-se numa área de actividade onde quase já não há amadorismo e se lida com conceitos de mercado e critérios completamente profissionais.
Termino aqui esta reflexão crítica que já vai longa, temendo até nem ter espaço suficiente nas páginas do DI. A minha mensagem final é bem clara: as Sanjoaninas estão doentes e o seu estado mórbido tem-se acentuado nos últimos anos. Penso que é preciso outras ideias, inovação, criatividade e qualidade. Como são as pessoas que fazem a festa… se calhar é preciso mudar as pessoas ou pelo menos enriquecer a Comissão com sangue novo e até mesmo com algum sangue profissional.

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