No ARION

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No oceano, em 2001, viajando entre a Terceira e S.Vicente (Cabo Verde)

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

AVALIAÇÃO E SISTEMA DE QUOTAS NA FUNÇÃO PÚBLICA


AVALIAÇÃO E SISTEMA DE QUOTAS NA FUNÇÃO PÚBLICA

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA MEDIOCRIDADE




HELIODORO TARCÍSIO


Toda a gente minimamente informada está a par da gravíssima e profunda crise económica do nosso país. E quanto aos outros, que são tantos, entendam ou não, sentem na pele a nossa desgraça actual. Subsistem profundos mistérios; como é possível andarmos há tanto tempo nesta vida miserável (pelo menos para a maioria) apenas disfarçada pelo recurso fácil ao crédito, finalmente em retracção, e nunca termos conseguido evoluir nada ?! Onde é que falhámos, nós todos ? Andamos há tanto tempo cabisbaixos, na cauda da Europa, com vencimentos miseráveis, em regime de sobrevivência, constantemente bombardeados com apelos à poupança, à contenção, à paciência e não melhorámos nem um pouquinho ? E como é possível que um ministro das Finanças, tão competente quanto sisudo, que é o rosto da situação, se tenha enganado tão espetacularmente quanto ao nível do déficit das contas públicas? Temos pena mas para mim não basta um encolher de ombros e um “ó pá, eu estava a contar com menos…”. Não, aqui anda gato e ninguém nos explica as coisas como deve ser.
Apesar de tudo, da tristeza, da revolta, da mágoa, no fundo sabemos que o país é o reflexo de nós todos. Não criamos riqueza porque trabalhamos pouco e mal, porque há uma imensa e tentacular corrupção e porque há muitos políticos medíocres. No entanto, somos nós quem os elege, apesar de sermos cada vez menos a fazê-lo. E esse alheamento, fruto da ignorância, do desencanto, da preguiça ou do autismo social, também é um indicador muitíssimo alarmante.
Ainda assim, apesar de toda a miséria nacional, conseguimos entender que, pura e simplesmente não há dinheiro suficiente. Seja porque não o geramos, porque o administramos mal ou porque o roubam, isso não invalida a constatação do facto. Talvez seja por isso que, apesar das constantes más notícias, o país não está ainda a ferro e fogo, não houve grandes revoltas, manifestações de rua, estradas cortadas, pneus a arder e pancadaria com a polícia. Talvez cheguemos a esse ponto mas ainda não. Tudo também por conta do reconhecido alheamento bovino da maioria dos portugueses. É por tudo isto que ficamos tristes e nos sentimos pessimamente quando sabemos que não vamos ter qualquer aumento, provavelmente durante 4 anos e que vamos ficar cada vez mais pobres e com menos qualidade de vida. Mas não reagimos com violência nem agressividade. Provavelmente, entendemos que se cada vez há menos dinheiro, somos todos um pouco culpados disso e que se calhar as coisas só mudarão daqui a muitos anos, num país muito diferente do actual, que talvez os nossos filhos e netos saibam construir, se o mundo não acabar em 2012 ou um pouco mais tarde.
Agora, o caso muda um pouco de figura quando um grupo de burocratas ou de políticos, provavelmente muito bem pagos, se entretêm a brincar aos países evoluídos. Nos últimos tempos, os serviços têm estado assoberbados com o novo sistema de avaliação dos funcionários públicos. Sobretudo os dirigentes, que têm de avaliar toda a gente. Não se discute que todos os trabalhadores por conta de outrem devam ser avaliados, em todos os sectores, funcionários públicos, operários, gestores, políticos, médicos, juízes, etc. Essa é a única maneira de promover a eficiência, de combater a mediocridade, a inércia e a abstenção e de premiar os bons desempenhos, enfim de trazer equilíbrio, racionalidade e justiça a todo o sistema. Mas não é o momento oportuno para tanto rigor e exigência, numa época de crise profunda em que o país nem consegue pagar aos seus funcionários e os torna mais pobres a cada dia que passa. Como é que alguém consegue pensar que um funcionário trabalhará mais e melhor, com regras muito diferentes e cada vez mais exigentes, ganhando cada vez menos ? Aliás, já há vários anos que somos bombardeados com normas e regras muito mais exigentes, que muitas vezes se traduzem em mais gastos, sem qualquer compensação ao nível dos salários. Um dia destes, temos de pensar seriamente em deixar de tentar ser alemães com salários portugueses. Isso não vai acabar bem.
Mas o pior não é isto. A cereja no cimo do bolo vem com a aplicação do sistema de quotas à avaliação dos funcionários públicos. Trata-se de um sistema pura e simplesmente aberrante que artificializa de forma totalmente irracional a avaliação dos funcionários. O sistema, que é de uma perversidade atroz, faz depender totalmente a progressão na carreira dos funcionários (com o consequente aumento salarial) da disponibilidade orçamental. Ou seja, de nada serve o esforço de cada um pois, em princípio, o mérito, a eficiência e a competência, que se pensaria querer-se promover por todo o país, não trarão qualquer benefício para o funcionário com qualidade. A maior parte dos bons funcionários, mesmo que se destaque naturalmente, será submersa numa imensa massa cinzenta de desempenho meramente “adequado”, que é onde o Governo pretende manter a maioria dos seus trabalhadores. Um funcionário de grande qualidade, que se destaque nitidamente pela sua excelência, poderá ser colocado exatamente ao mesmo nível do colega, de desempenho perfeitamente vulgar, porque a quota de “excelentes” do seu serviço não é suficiente. O mesmo se aplica ao nível da classificação de “relevante”, onde acontecerão provavelmente as piores injustiças. Isto é totalmente kafkiano mas é o que estão a tentar implementar por todo o lado, com pezinhos de lã e, aparentemente, com o silêncio dos sindicatos, o que me deixa perplexo. E então, a motivação, de que os portugueses tanto precisam, perguntarão alguns ? É cinicamente simples, não precisamos, nem vale a pena, ser classificados com mais do que um “adequado” mas, se nem isso conseguirmos, vamos para o olho da rua. Isto tem um nome em psicologia, motivação negativa. Não há dinheiro, pois que não nos paguem mas também não nos façam de palhaços, com todo o respeito pelas gentes do circo. Não exijam se nada têm para dar, nem sequer o óbvio. Não há dinheiro para promoções, então, pelo menos, não venham fingir que avaliam as pessoas. Acabem lá com o complexo sistema de definição de competências e objectivos, dificilmente mensuráveis.
Só há uma maneira de lutar contra esta aberração. É a união dos trabalhadores, dando força aos sindicatos, tão apagados nos dias de hoje, por comparação com o passado. É a filiação de todos os trabalhadores nos seus sindicatos. E é deixar de ignorar as greves decretadas por eles. Está na altura de sermos mais espertos, mais activos, menos ignorantes e menos desinteressados. O tempo de ficar em casa a arrotar o jantar e a assistir a idiotices tipo Preço Certo enquanto outros lutam por nós chegou ao fim. Na verdade, a única coisa que não está a chegar ao fim é as chatices.
Face a esta vil tristeza, acabo por concordar com o meu caríssimo colega Maduro-Dias, que ele me perdoe por o citar. Se é assim, então antes o sistema antigo, serei promovido quando o tipo acima de mim morrer ou se reformar. Pelo menos este sistema assentava numa base natural e fazia sentido.
De forma totalmente neutral, pois sou um feliz não alinhado, este sistema aberrante, que desmotiva por completo a iniciativa e o mérito pessoal e que institucionaliza a mediocridade e promove a injustiça, ter-me-á sempre como um modesto inimigo. Este artigo é algo subversivo ? Pois, parece-me que sim, afinal não há motivo para ter medo, de uma forma ou de outra, o meu “adequado” deverá estar garantido. POPEYE9700@YAHOO.COM

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