No ARION

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No oceano, em 2001, viajando entre a Terceira e S.Vicente (Cabo Verde)

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

TODA A VIDA PODE SER TEMPO DEMAIS…


TODA A VIDA PODE SER TEMPO DEMAIS…

POR UM DIVÓRCIO FÁCIL E RÁPIDO




HELIODORO TARCÍSIO


Recentemente, um habitual articulista do jornal “A União” mostrou-se muito incomodado com o projecto de lei do Governo, n.º 509/X, sobre “ as alterações ao regime jurídico do divórcio”. Identificando-se com as bem conhecidas posições da Igreja Católica, de que será com certeza um apaniguado, sobre esta matéria, encontra hostilidade e menosprezo pela fé católica no Portugal de hoje. E acima de tudo, afirma que “análises científicas sérias” mostram que “o divórcio e a degradação da família (…) estão entre as principais causas do aumento da droga, solidão e crime”.
Não concordei com nada do que é dito neste artigo, que está nos antípodas das minhas próprias convicções mas foi sobretudo esta citada parte que suscitou a presente reflexão. Logo á partida pareceu-me assente numa falácia pois não há “análises científicas sérias”. As análises científicas são sempre sérias ou não seriam científicas, seriam outra coisa qualquer. O que há é uma tendência, humanamente compreensível mas errada, para considerarmos sérias as análises científicas que estão de acordo com as nossas ideias e desvalorizar as que nos contrariam.
Como livre-pensador, rigorosamente apolítico, não simpatizo com partidos políticos (que estão a apodrecer a democracia por dentro) e acho os políticos todos muito parecidos, a tender para o cinzento, salvo raras e honrosas excepções. Por isso é-me indiferente que partido político está no poder. Subscrevo ou critico projectos e ideias. E aplaudo sem dúvida o actual projecto de lei tendente a facilitar o divórcio.
O mal aqui está na mistura de conceitos e questões que é feita no referido artigo, prática muito usual nos defensores dos dogmas católicos. E essa atitude raramente é inocente. Enuncia-se uma listagem de problemas, pretensamente associados e uma leitura apressada, pouco inteligente ou pouco reflectida, até faz pensar que é assim mesmo. Mas não é, pelo menos para quem é capaz de pensar livremente, um exercício difícil no seio da Igreja Católica, habituada a afirmar que é assim porque está na Bíblia ou porque Deus quer e pronto. Mas eu, humildemente, reconheço que não sei quem é Deus e acho que ninguém sabe também. E rigorosamente tudo o que se afirma que Deus quer, é na verdade, uma interpretação que uma pessoa qualquer fez da vontade de Deus. Inspiração divina? Pois, tem havido muitas dessas ao longo da História, de todos os tipos….
Para começar e indo à raiz do problema, não me parece que o casamento, sobretudo o tipo de casamento da Igreja Católica, eterno e indissolúvel (até dá arrepios…um casamento condenado à eternidade…) seja natural no ser humano. O que me parece natural é o amor entre as pessoas, de qualquer sexo, o amor romântico radicado na emoção e sentimentos, o desejo e o relacionamento sexual e o instinto e vontade de procriação. O casamento não passa de um artifício, uma forma de organização social, que não tem necessariamente de ser a melhor. Aliás, o tipo de organização social era bastante diferente e variável no mundo, o que acontece é que a civilização de raiz europeia, muito ligada à estreita moral judaico-cristã e a conceitos puritanos e restritivos, a exportou à força para todo o mundo a partir do século XV. Isso inclui, obviamente, a Expansão Portuguesa, embora, felizmente, os Portugueses estejam longe de se contar entre os povos mais puritanos. Nós não resistimos aos encantos das nativas exóticas e fomos dos povos que mais praticaram a miscigenação. Eu gosto de seguir a linha dos meus maiores, por isso ainda a pratico.
Como se vê, acho que o casamento não é uma fatalidade. Mas é uma tentação, dá até jeito e por isso muita gente se casa. Sei lá, o IRS é mais favorável, o crédito à habitação também, passa-se a contar com dois ordenados e a ter sexo garantido todos os dias, de qualidade ou não. E com isso se diz que se constitui família.
Ora, o nosso acólito de serviço, prega lá do seu púlpito que o divórcio e a degradação da família estão associados. Isso parece-me também uma afirmação falaciosa. Há gente radical que prefere matar ou mandar matar os respectivos conjugues. Mas as pessoas mais razoáveis divorciam-se. O divórcio é normalmente encarado como o último recurso. É uma solução, não um problema. Se há um divórcio é porque a família já estava degradada. Não culpem o divórcio, coitadinho. A questão deve centrar-se no que degrada a família e isso já é uma questão complexa. Provavelmente as questões básicas devem estar associadas ás falhas internas da instituição do casamento, às políticas neo liberais, à selvajaria da sociedade de consumo e á ausência de um sistema moral de referência. Viver “toda a vida” com a mesma pessoa, sendo fiel, carinhoso, tolerante, compreensivo e competente na cama, não é nada fácil. É bastante comum as pessoas simplesmente fartarem-se umas das outras ao fim de poucos anos. Lembro-me de notícia recente sobre um velhinho português de 80 e tal anos que matou a mulher da mesma idade e se suicidou em seguida. Naturalmente, a este velhinho já faltavam alguns parafusos, porcas e anilhas. Mas o farto que este homem não devia estar… E depois, as pessoas casam quase sempre em fases jovens e imaturas da vida. Se querem falar de rigor, devia até ser proibido casar antes dos 30 anos para as mulheres e dos 35 para os homens. Até lá devia-se era namorar muito, viajar, estudar, etc. Aposto que haveria muito menos divórcios. Não é por acaso que as segundas relações depois de um divórcio costumam ser bastante mais estáveis. É capaz até de haver “estudos científicos sérios” sobre o assunto.
Há uma questão importante ligada ao casamento e ao divórcio a que eu, como pai de três, sou bastante sensível. Em condições normais e não havendo nada pelo contrário, costumam nascer crianças, embora, estranhamente, isso seja cada vez mais raro no próspero país de Sócrates. Vamos acabar por ter um dia um Portugal finalmente estável, feliz, funcional e organizado, sem Portugueses. Provavelmente por isso mesmo. E as crianças costumam ser uma das razões mais invocadas para se “aguentar” um casamento medíocre. Naturalmente esta é uma questão muito delicada pois estamos a falar de sentimentos, emoções, laços de sangue e acima de tudo, deveres, responsabilidades e respeito pelos direitos elementares das crianças, que estão até consignados em declaração universal. Porém, creio que as crianças não têm necessariamente que sofrer com os divórcios. Elas sofrem sim quando vivem no seio de famílias degradadas, em que não há amor, carinho nem o mais elementar respeito e em que tantas vezes se verificam situações de abuso e violência. E nessa degradação que acredito residir muitas vezes a causa para comportamentos de toxicodependência e marginalidade. E quando as pessoas se separam ou divorciam, se tiverem um carácter bem formado, não forem egoístas e realmente amarem os seus filhos, vão fazer o melhor que estiver ao seu alcance para que eles não sejam prejudicados. O casamento é um contrato jurídico e um compromisso a prazo. Mas os pais e os filhos são eternos. É-se esposa ou marido enquanto se quer. É-se pai, mãe ou filho para sempre. Quem ama os seus filhos pensa sempre no melhor para eles. O mal é que em Portugal, que não é propriamente um país de gente muito culta e educada, os filhos são frequentemente usados como arma em processos de separação e divórcio. Isso é mais notório da parte das mães que, graças a um sistema jurídico lamentável, ficam quase sempre com as crianças e muitas vezes complicam o máximo que podem a relação dos filhos com os pais, sobretudo quando o ex marido tem uma nova companheira. Isso é tão notório que até se achou necessidade de constituir uma associação de pais divorciados, fundada por infelizes pais que, nalguns casos, não conseguem ver os seus filhos há muitos anos.
Em recta final e para não me afastar do tema central, penso que tanto o casamento como o divórcio devem ser actos fáceis, rápidos e baratos porque se o Governo quiser ganhar dinheiro com isso, estraga qualquer boa intenção. A Igreja Católica acha que o divórcio deve ser complicado e difícil. Ela acha que depois de um casal de jovens ter tomado uma decisão, usualmente na casa dos seus verdes 20 anos, deve amargar o resto da vida, se as coisas derem para o torto... Porquê? Sei lá, talvez porque Deus é quem casa as pessoas e Ele não é para brincadeiras e porque a Igreja Católica sempre gostou destas coisas de sofrer neste vale de lágrimas com resignação cristã enquanto esperamos pela tal ressurreição final, embora ainda tenhamos de passar por um temível julgamento primeiro. E acima de tudo, porque a Igreja Católica se desespera e estrebucha ao ver perder-se dia a dia a sua influência histórica na sociedade. Os crimes da Igreja Católica são vastos. Entre muitos outros, ao exercer de forma opressiva e autoritária, a tutela ética e religiosa que até há pouco tempo detinha sobre a sociedade, a Igreja contribuiu activa e decisivamente, para perpetuar tantos casos de infelicidade doméstica e até mesmo de violência e agressividade, ao proibir, desencorajar e impedir na prática soluções de divórcio que teriam sido a única saída. Quantas mulheres e crianças sofreram horrores porque a Igreja não aceitava (nem aceita) o divórcio. Quantas infelizes pessoas sofreram toda a vida porque não puderam divorciar-se e procurar outro companheiro. E hoje em dia ainda há quem tenha o descaramento de vir criticar a simplificação do divórcio… Queriam mais do que tivemos durante séculos, não era? Pois não há mais, acabou-se.
Pretendo que a minha mensagem final seja positiva mas ela é bem simples na sua essência. A todos os casais, de qualquer sexo, sempre que não forem felizes com o vosso parceiro, separem-se ou divorciem-se. A vida é curta, devemos tentar ser felizes. Enquanto estivermos com alguém, devemos tentar dar o melhor de nós e tratar o nosso conjugue com amor, carinho e respeito. Mas quando isso já não é possível, então cada um deve seguir o seu rumo, amadurecer na solidão ou, mais naturalmente, procurar outro parceiro mais adequado ou que nos possa fazer crescer como pessoas. Se há filhos, amem-nos, respeitem-nos e sobretudo, lembrem-se que eles tem o direito elementar ao amor e á presença regular de ambos os progenitores. Quanto ao casamento, não deve ser uma espécie de condenação para toda a vida. Isso está reservado para os piores criminosos.

POPEYE9700@YAHOO.COM

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