Nos últimos dias, têm surgido pelos jornais e revistas, diversos artigos de opinião que pretendem fazer a defesa da Igreja Católica, no actual cenário de denúncia dos crimes sexuais dos seus sacerdotes. Parece que a culpa é de perversos jornais, envolvidos numa campanha de difamação da Santa Madre Igreja. Os directores, chefes de redacção e editores destes jornais juraram dedicar as suas vidas à destruição da Igreja Romana. Fazem, para isso, reuniões secretas, numa sala de cortinas negras, sob um crucifixo de pernas para o ar. Há uma senha à porta (consta que a última era “Heil Bento”). Para além dos jornalistas, com excepção dos que trabalham na Rádio Renascença e no programa Ecclesia, comparecem ateus, pedreiros-livres, jacobinos, agnósticos, comunistas, socialistas a sério, talibans, homossexuais, divorciados, cantores de rock, escritores, poetas, prémios Nobel, toxicodependentes, sindicalistas não cristãos, enfim, todo o tipo de escumalha. E aquela gente maléfica, abençoada pelos poderes das trevas, congemina então toda a sorte de planos tenebrosos para envolver inocentes sacerdotes católicos em sórdidas histórias de sedução. Inventam histórias, vítimas, datas, factos, atrocidades sem fim, que depois publicam nos seus pasquins. Nos intervalos, bebem RedBull e com as asas que aquilo lhes dá, voam de um lado para o outro, entregando-se a orgias inenarráveis, inspiradas pelo Farfalha, ao som do Quim Barreiros na garagem da vizinha.
É claro que, perante isto, a Igreja Católica, coitadinha, e os seus apaniguados têm de se defender. Qualquer um entende isto, no mundo de hoje somos todos muito sensíveis às perseguições e aos ataques aos fracos e oprimidos.
O problema é o discurso escolhido. Ainda bem recentemente, um desses defensores, em peça jornalística, acusa os jornais de quererem convencer a opinião pública de que os padres comem criancinhas. Se ele estava a referir-se a canibalismo, então realmente não conheço nenhum caso. Os padres comem coisas comuns, há magros e gorduchos. Agora, se ele se referia a outra coisa, então, lamento muito mas discordo, literalmente, padres têm comido criancinhas, desde sempre, revelando até um apetite insaciável e voraz. Perante as inúmeras evidências, fica assim desmentida, categoricamente, a afirmação contrária.
Diz também que a Igreja Católica tem regras muito claras para lidar com um padre pedófilo. Tem mesmo ? Quais ? O Bispo dele aplica-lhe tautau no rabinho? Duvido, seria contraproducente. Talvez lhe diga “Seu maroto, incorrigível, não tens emenda, vai já rezar 700 Avés-Maria e 1.200 Pais-Nosso e fica sabendo que para a semana, já mudas de paróquia…”. E lá vai o pobre do padre, para longe da terra cujos filhos tanto amava, transferido para uma paróquia longínqua, onde talvez os meninos de coro sejam mais feínhos, menos louros, quiçá mais esquivos…Ou pior que tudo, ó horror dos horrores, para uma paróquia onde nem haja meninos de coro, uma daquelas cheias de beatas velhas, carne magra e seca, aromatizada a naftalina.
Ainda por cima, aos jornalistas, esses facínoras, agora deu-lhes para pedir contas ao Papa, aos cardeais e bispos, em vez de crucificarem os padres pedófilos. Que é isto, que culpa têm eles, coitados ? Eles são apenas os seus líderes , não são pais deles, que os padres católicos não podem ter filhos, embora os tenham amiúde. Quando muito, podiam ser padrinhos ou tios deles…
Depois há a questão dos “truques estatísticos”… Clama-se que se juntam coisas diferentes no mesmo saco e que, desta forma se demonstra seja o que for. A estatística aborrece-me. Tenho no meu computador textos sobre largas centenas de casos comprovados, em todo o mundo, de abuso sexual pedófilo, por parte de religiosos cristãos (não apenas católicos). E não fiz uma pesquisa exaustiva, caso contrário teria de expandir a memória do meu computador. Mas não vou aborrecer os meus leitores. Os meus dados têm apenas um traço comum: um religioso, adulto, teve um contacto sexual com pelo menos um menor e foi denunciado, mesmo que isso tenha acontecido, nalguns casos, muitos anos depois. Com certeza que terá havido detalhes diferentes. Mas esta agregação basta-me perfeitamente. Quanto ao facto das denúncias terem começado a surgir em catadupa nos últimos anos, a resposta é de tal forma básica, que me dispenso de a explicar. Todos sabem que, antes, as vítimas não falavam, com raras excepções. E, quando falavam, raramente eram levadas a sério ou tinham qualquer eco. Acontece que agora há um clima geral de liberdade e toda esta tribo de perversos jornalistas, ansiosos por notícias que vendam bem…
Fala-se também nas “percentagens”. Querem assim branquear os crimes sexuais na Igreja Católica, alegando que a percentagem de sacerdotes pedófilos é irrisória, quando comparada com o número dos outros pedófilos. Eis aqui um bom exemplo de como o fanatismo pode manipular as ideias, para defender teses pobres. Como se a percentagem tivesse alguma importância num caso destes… Tudo o que interessa é que são muitos casos, descobrindo-se mais a cada dia. E que se passam no seio de uma instituição que é mais política do que religiosa e que sempre sonhou dominar o mundo, mesmo à força. E que se arvora em farol do Terra, dona da salvação da Humanidade, detentora da única verdade, formadora da consciência, fonte do Bem, arauto da virtude, pregoeira do Amor.. Supostamente, os sacerdotes são representantes de Jesus Cristo na Terra e deviam amar, acarinhar, guiar e proteger as crianças que lhes são confiadas. E, sem ninguém os obrigar a isso, renunciaram ao mundo e juraram manter-se castos. Um crime sexual cometido por um sacerdote é hediondo e vale, no mínimo, por 100 crimes idênticos de treinadores desportivos. A estatística não é tão cega como se pensa mas há quem goste de lhe por uns óculos escuros.
Onde é melhor que não mexam comigo, é na minha área de trabalho, que é a História. O artigo que li, com todo o despudor, tenta fazer o branqueamento da Cruzadas e, pasme-se, da Santa Inquisição. Será um “mito” ver uma “igreja sanguinária” em ambos os casos. Mito é o que dizem os neonazis do Holocausto. Vou deixar aqui apenas um brevíssimo apontamento, que bastará para elucidar os leitores que ainda precisem disso.
As Cruzadas aconteceram num período ainda muito atrasado da história da Humanidade e agrupam uma série de expedições militares ao Próximo-Oriente, em diversos períodos distintos, com o pretexto de “libertar” os lugares santos do Cristianismo, ocupados por muçulmanos. Muitas vezes foram de iniciativa papal e, quando não o foram, eram abençoadas pelo Papa. Envolviam uma enorme massa informe de soldados que eram iguais aos soldados do todos os tempos, que combatiam pelo soldo, pelo saque e porque não sabiam fazer outra coisa. Os líderes eram elementos da nobreza que não tinham nada melhor para fazer, guerreiros profissionais , que procuravam distinguir-se, obtendo recompensas materiais, honrarias e terras, o bem material mais precioso na época.
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
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