No ARION

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No oceano, em 2001, viajando entre a Terceira e S.Vicente (Cabo Verde)

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

CASAMENTOS HOMOSSEXUAIS –CONSIDERAÇÕES OUTRAS (Parte II)


CASAMENTOS HOMOSSEXUAIS –

CONSIDERAÇÕES OUTRAS (Parte II)



HELIODORO TARCÍSIO

Este é ainda o contraditório relativamente à Parte I do artigo de Rodrigo Bento (RB) sobre casamentos homossexuais, publicado no D.I. de 28 de Novembro. A sua Parte II, publicada no D.I. de 16 de Dezembro, de carácter essencialmente teológico, suscita-me outro tipo de comentários, a publicar oportunamente.
Pouco interessa saber qual é a percentagem de homossexuais em Portugal e na Terceira. O que é certo é que se trata de uma minoria, cujos direitos sociais devemos proteger. Qualquer tentativa de rotulagem e quantificação esbarrará sempre na extrema dificuldade de definir o próprio conceito de “homossexual”, que é relativamente fluído. E para efeitos legislativos, o que interessa é se as pessoas querem casar com alguém do mesmo sexo. Se querem, serão homossexuais com certeza. Outros são bissexuais, a maioria é heterossexual e continuaremos todos a viver debaixo do mesmo sol. De qualquer modo, é bom que RB refresque os seus conhecimentos de Estatística e se informe sobre o princípio da proporcionalidade.
O que eu espero dos comportamentos amorosos públicos é que eles sejam efusivos e abundantes, obedecendo apenas aos limites do bom senso e do respeito pelos outros. Um povo que se ama e demonstra isso em público, é com certeza um povo feliz. O amor é lindo e não tem fronteiras, não tem de obedecer a convenções sociais nem à “moral, cultura e tradição” de uma comunidade, até porque tudo isso faz parte de um sistema mutável. Se a minha filha de 11 anos reparar que dois homens ou duas mulheres estão de mãos dadas ou a beijar-se em público, dir-lhe-ei apenas que, com certeza eles se amam e que é provável que Deus, se existe, esteja feliz com o amor deles. Isso porque sempre lhe ensinei que deve ser aberta e tolerante perante a diferença, embora respeitando os valores morais universais em que acredito, porque, evidentemente, acredito em alguma coisa. Do mesmo modo, não teria o menor problema em deixar qualquer dos meus filhos dormir em casa de um amigo adoptado por um casal homossexual. A minha preocupação seria idêntica ao caso mais comum de um casal heterossexual, preocupar-me-ia exclusivamente com o ambiente naquela casa e com a idoneidade daquele casal. Avaliar os bons sentimentos, a educação, a cultura, o nível moral e o bom senso de um casal apenas pelo prisma da sua preferência sexual, revela um triste e deprimente preconceito e mais nada.
As aulas de educação sexual em Portugal são um assunto anedótico e revelam bem o preconceito, o atraso e a estreiteza intelectual da sociedade portuguesa. Fui professor há mais de 20 anos e já na altura, esse era um tema em discussão. Pois bem, passaram 20 anos e o tema continua em discussão, enquanto gerações inteiras de raparigas engravidam precocemente e gerações inteiras de rapazes desconhecem o essencial sobre o orgasmo feminino. O impulso sexual é fundamental e muito forte, logo a educação sexual devia começar desde o jardim de infância, naturalmente de forma adequada a cada nível etário e acompanhar o estudante até ao fim do seu percurso escolar. As aulas de educação sexual nas escolas, com um programa aberto e tolerante, não farão de ninguém um homossexual, porque isso, em larga medida, nasce com a pessoa. Mas de certeza absoluta, terão dois efeitos muito importantes: permitirão que a criança com tendência homossexual se desenvolva de forma estável e equilibrada, sem se sentir diferente pela negativa e sem ser rotulada, descriminada e reprimida; farão com que a sociedade em geral, nomeadamente a heterossexual, aprenda a conviver naturalmente com a diferença e a valorizar as pessoas pelas suas qualidades intelectuais e morais, em detrimento das suas preferências sexuais. A homossexualidade não é “um estilo de vida”, é apenas a designação de uma orientação sexual. Um “estilo de vida” é definido por múltiplas variáveis: personalidade, carácter, valores, educação, preferências, talentos, profissão, hobbies, vícios, etc.
Se o treinador do meu filho for gay, só espero que ele não misture o trabalho com questões pessoais e sobretudo que não seja pedófilo, já que considero a pedofilia, essa sim, uma hedionda perversão ou uma grave doença. Se o meu filho tiver beneficiado de uma boa educação sexual, na escola e em casa, vai estar apenas sujeito aos riscos inerentes ao facto de estar vivo e de viver em sociedade. Estará preparado para lidar com qualquer proposta de índole sexual. Como pai, estando de consciência tranquila, em termos de educação, só posso desejar que o meu filho tenha experiências sexuais satisfatórias, adequadas à sua idade e nível de desenvolvimento e que o ajudem a crescer e a ser feliz. Isso não terá nunca nada a ver com orientação sexual porque, se tivesse um filho gay, o amaria exactamente do mesmo modo. O problema de RB é misturar no mesmo saco coisas tão díspares como homossexualismo, incesto e pedofilia, o que revela ou malícia ou ignorância.
RB e toda a gente que pensa como ele, necessitam de estudar um pouco, olhar para a história da humanidade e tentar aprender alguma coisa. RB clama que há 25 anos atrás ninguém aprovaria o aborto ou o casamento homossexual. Com certeza que não, as mudanças acontecem quando a sociedade amadureceu o suficiente para ser capaz de olhar criticamente para os seus conceitos, regras e normas e admitir, no mínimo, a sua discussão. Com certeza que, hoje em dia, não passa pela cabeça de RB, defender que as mulheres devem ficar em casa, não trabalhar nem votar. Mas era isso precisamente o que acontecia na Europa há 100 anos atrás e a emancipação feminina não aconteceu de um dia para o outro. Foi preciso muitos anos de luta para que as mulheres tivessem exactamente os mesmos direitos que os homens perante a lei. E isso é um processo em curso, uma vez que ainda assistimos a muitas situações de discriminação das mulheres. Ainda recentemente, um tonto de um almirante qualquer veio dizer em público que as mulheres são demasiado emotivas para entrar em combate… As mentalidades não mudam com as alterações legislativas, mudam com a evolução cultural de um povo, num processo lento. Eu sei que os homossexuais vão mesmo poder casar-se em Portugal, em breve. Mas a intolerância, a discriminação e a repressão vão continuar por muitos anos, pela simples razão de que continuarão a existir pessoas como RB por muito tempo ainda.
Nenhuma sociedade vive sem regras e valores. As sociedades evoluem em todos os planos, material, intelectual, moral e religioso. Não me parece que o que esteja em causa hoje em dia seja os valores básicos do Cristianismo. Na verdade, pouco sabemos sobre Jesus de Nazaré mas quase toda a gente concorda que foi alguém excepcional. E ninguém defende, como filosofia de vida, que se deva “matar pessoas” ou “desrespeitar pai e mãe”. Há valores que são unanimemente aceites no mundo evoluído. Na verdade, o que está em crise profunda e irreversível é a Igreja Católica. Isto devido aos seus inúmeros crimes e porque com o conhecimento que acumulámos e com o actual desenvolvimento intelectual, a maior parte das pessoas já não aceita explicações do tipo dogmático. Também cada vez se torna mais claro que a Igreja de Roma é sobretudo uma organização de poder, concebida e desenvolvida para dominar o mundo, o mais das vezes através da violência e aproveitando-se da ignorância. Talvez a minha crença mais profunda é que, Deus, se existe, não tem nada a ver com a Igreja Católica.
Na actualidade, as sociedades do mundo civilizado estão, nitidamente, em plena evolução. Há imensas coisas que não estão bem, já todos percebemos que o processo evolutivo do Homem é lento e penoso. Mas alguns dos aspectos mais positivos têm a ver precisamente com a alteração de mentalidades, com a abertura de espírito e a aceitação da diferença. Com o facto, por exemplo, de se aceitar a homossexualidade como algo natural e comum na espécie humana, nem bom nem mau, apenas mais uma das nossas características.
Eu sei que RB não me vai entender mas é muito provável que os Portugueses precisem de deixar de considerar a homossexualidade uma doença, para começarem a ter melhores salários, melhor saúde, menos corrupção, etc. Porque isso significaria que teríamos mudado de forma relevante. O país que temos tem a tudo a ver com quem nós somos.
No texto de RB, para além de uma mal disfarçada homofobia, chamou-me a atenção uma citação de Martin Luther King. Este homem superior, activista de direitos humanos, lutou e morreu pela causa da oposição à segregação racial. Provavelmente, RB não entende que, postas as coisas em perspectiva, se ele tivesse vivido no tempo de MLK, teria pertencido ao grupo de brancos racistas contra quem ele lutava, ao grupo dos “perversos” porque, ser racista no sul dos EUA naquele período, era o que estava de acordo com a “moral, tradição e cultura” da sociedade de brancos.
Para terminar esta “Parte II”, lembro que RB afirma não ter nada contra os homossexuais e que até tem um amigo com essa “doença”. Isso tranquiliza-me bastante, imaginem se tivesse algo contra eles. Podia ser uma coisa muito feia. Mesmo assim, não consigo deixar de ter pena do amigo homossexual dele. Não estará na altura deste rever as suas amizades? É provável que este artigo tenha continuação. POPEYE9700@YAHOO.COM

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